sexta-feira, 30 de março de 2007

Uzhogorod

Desde há muito que alimentava essa ideia de ir à Ucrânia. Numa sua maneira, perceber um porquê da imigração destas gentes. Tinha porém consciência de que não seria uma visita de turista domingueiro o suficiente para explicar esse fenómeno tão complexo.
De assinalar que a destruição do mealheiro foi fundamental na disponibilização de patrocínio para esta investigação científica, por assim dizer.

A entrada na Ucrânia desde a Hungria foi relativamente pacífica, sem grandes demoras mas com certas complicações. A ficha que as autoridades entregam para preenchimento, apesar de bi-lingue (o que é bom tendo em conta que a faltar o conhecimento dos caracteres cirílicos, o húngaro lá se vai entendendo menos mal) obriga a pedido de esclarecimentos bem como a alguns rasuramentos posteriores simplesmente pela falta de lógica do impresso. O facto de ser obrigatória a indicação de local de destino e razão da visita ao território, poderá ter até as suas razões, mas o nome do hotel para pernoita é de todo estranho tendo em conta que não existiam à partida intenções de tal. Mas como regras são regras e alguém as definiu de modo a que se cumpram, a funcionária do posto lá inseriu na ficha o nome de um hotel que lhe veio à memória e provavelmente até existe, talvez.

Depois há um processo algo único: Uma senha verde é entregue junto com a devolução do passaporte entretanto carimbado. Uns 50 metros mais à frente dois polícias fazem parar o veículo e conferem os documentos colocando um carimbo na senha e outro no passaporte que logo devolvem. Outros 50 metros mais à frente, num pequeno posto servido por outros dois polícias é dado o sinal para afrouxar sendo pedida a entrega definitiva da mesma senha.

A cidade de Uzhogorod está em muito mau estado, são as estradas esburacadas, os semáforos com algumas das suas lâmpadas fundidas (que torna difícil entender a ordem do trânsito), os passeios incompletos, os edifícios a descascar da pintura, os letreiros de publicidade ferrugentos ou parcialmente ilegíveis, varandas suportadas por barrotes, janelas partidas, sujidade, envelhecimento... dá a sensação de que passou por ali um tornado dias antes, mas na verdade Uzhogorod simplesmente está parada no tempo.
A saída do território não é fácil. Não é fácil por razões óbvias. Que o tabaco é menos de metade do preço praticado no país vizinho, bem como outros artigos propícios para contrabando são a maior "dôr de cabeça" da Határörség, cujo principal objectivo é proteger esta fronteira da União Europeia ao nível que permitirá a inclusão da Hungria no "Espaço Schengen" prometido para início de 2008. Também não é fácil porque os guardas Ucranianos aproveitando as dificuldades de controlo dos seus homólogos vizinhos, hábilmente trataram de estabelecer um esquema de prioridade aos automobilistas que acedem a uma "taxa" de 10 euros (que permite "cavalgar" sobre os que ordeiramente aguardam a sua vez naquela fila interminável): Não pagando, resultou em 6 horas no controlo de fronteira da Ucrânia e 1 hora no controlo de fronteira da Hungria.

quinta-feira, 29 de março de 2007

Moleskine

Quando nos habituamos a certas coisas que temos, lidamos com elas com normalidade e até com indiferença. Não damos valor e importância ao que realmente devemos preservar e estimar. São bens, objectos, pessoas e sentimentos. Quando não temos acesso a esses bens, principalmente às pessoas e aos seus sentimentos, encaramos o futuro de um modo completamente diferente. Relembramos o passado vezes sem conta e desejamos reviver esse passado, mas corrigido, acreditando que o futuro pode ser assim perfeito.
Porque a distancia só se nota quando não revemos quem queremos e não apenas quando nos separamos, em grande sacrifício ia cumprindo aquela sua missão, cada vez mais com total arrependimento por não ter acautelado um modo de viver livre de solidão, de um vazio que somente se ocupava de mais e mais saudade. Que estranho é sentir-se só no meio de tanta gente.
(Extracto do diário a 18 de Junho de 2004 - Silva Porto, Angola)

quarta-feira, 28 de março de 2007

Memória de um sonho

Sentiu-se só, tão só, que já nem reconhecia o destino da estrada que tomou com o imenso sorriso de quem não duvidava de saber. Nessa caminhada sentiu diversas vezes o Verão, o Outono, o Inverno e a Primavera, mas nem sempre pela mesma ordem. Um dia de certa estação algo o impediu de continuar a marcha do mesmo modo que até então, algo o fez tombar, perdeu os sentidos. Não só perdeu os sentidos como o tal sorriso, passou a duvidar de saber o destino da estrada. Esperou por uma orientação, uma bússola, um mapa, ou simplesmente a mão que agarra o mapa. Pensava antes ser tangível, um direito, um desejo inocente, o destino imaculado, o invejável sonho da felicidade.