quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Macturismo

Macdomingo foi macpassear a macpé no maccentro da maccidade e macdecidiu de uma macvez por mactodas, macvisitar o macrestaurante de maccomida macrápida alegadamente mais macbelo do macplaneta. Macfotografou o macrecinto, macpese o maccheiro macnauseabundo a macfritos no maclocal.
Macsatisfeito embora não macmaravilhado com a macvisita e também com fome, não com macfome, decidiu ir ao “Rei das Hamburgas”, que é concorrente directo do MacPato (MacKacsa, em húngaro), kingsimilar em oferta mas um kingpouco kingmelhor em kingsabor e kingdefinitivamente kingsuperior em kingmatéria de kingventilação, não mais.
O restaurante referido fica na Estação Ferroviária Oeste (Nyugati Pályaudvar) de Budapeste, não vale a pena frequentar assiduamente porque a oferta alimentar é pequena, de pouca variedade: ali não é possível encontrar sandes de couratos ou bifanas, tampouco omeletas, pastéis de bacalhau ou branco em penálti.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

K.G.S.T.

Kölcsönös Gazdasági Segítség Tanácsa é o nome, em húngaro para a СЭВ, (Совет экономической взаимопомощи), a associação económica de assistência mútua mais conhecida internacionalmente por COMECON (designação em inglês, por sinal uma língua não comum dos países membros).
A KGST surgiu por iniciativa da União Soviética, inicialmente como resposta ao Plano Marshall (programa americano de auxílio económico à Europa Ocidental) e posteriormente como bloco económico de oposição à Comunidade Europeia do Carvão e Aço, que gradualmente se transformou do modo que todos sabem, naquilo que hoje é a União Europeia.
Os membros da KGST, bem como todos os países observadores ou associados, respeitavam uma comum obrigação ideológica socialista (Marxismo-Leninismo) ao estilo soviético de planeamento centralizado. Por tal, os verdadeiros representantes e dirigentes desta organização eram os secretários dos partidos comunistas de cada país membro.
A KGST foi fundada em 1949 pela Bulgária, Checoslováquia, Hungria, Polónia, Roménia e União Soviética. A Albânia entrou no mês seguinte à fundação mas abandonou em 1961 enquanto a República Democrática Alemã entrou no ano seguinte à fundação. A Mongólia entrou em 1962, Cuba em 1972 e o Vietnam em 1978. A Jugoslávia manteve o estatuto de “membro associado” desde 1964. O Afeganistão, Angola, Etiópia, Iémen, Laos e Moçambique tornaram-se oficialmente “países observadores” (na verdade este países tornaram-se dependentes das ajudas económicas da União Soviética, principalmente no plano militar). Para além destes, A China, a Coreia do Norte, a Finlândia, o Iraque, o México e a Nicarágua mantiveram relações próximas, principalmente comerciais.
Enquanto Stalin era vivo, a KGST foi uma associação sob comando exclusivo da União Soviética, instrumento utilizado para conter a importação de bens e serviços, principalmente oriundos da Europa Ocidental e dos Estados Unidos por parte dos países membros do Pacto de Varsóvia ou simplesmente sob influência política socialista. Com Nikita Khrushchev no poder, a partir de 1956 (o ano da revolta na Hungria, esmagada pelas tropas russas) a Organização foi reestruturada com uma espécie de comissões independentes que tratavam assuntos económicos de teor distinto (uma comissão para o desenvolvimento agrícola, por exemplo, outra para a gestão industrial e outras para outros temas) e passaram a existir recursos partilhados de um modo até, digamos, magnífico. As redes ferroviárias foram redesenhadas num ponto de vista comunitário, a utilização dos rios foi melhor coordenada enquanto a construção de oleodutos e redes eléctricas para distribuição transnacional promoveram o desenvolvimento das trocas comerciais e a distribuição racional de energias. O Rublo passou a ser utilizado como moeda de referência nas trocas comerciais (Rublo "transferível”), resolvendo o problema de eventuais flutuações de valor dos produtos e serviços.
Em termos de relacionamento e comportamento dos membros como agentes económicos, a bem da verdade a KGST nunca foi muito diferente da C.E.E. no sentido em que sempre foi bem claro o real poder de voto de cada país, proporcional à sua dimensão geográfica, demográfica e política, resultando por isso no poder quase absoluto de decisão por parte da União Soviética por um lado e da França, Alemanha e Reino Unido (posteriormante) por outro. A grande diferença residia na qualidade das transacções, que por parte da União Soviética as exportações eram quase exclusivas de matérias primas, produtos agrícolas e combustíveis, recebendo em troca maquinaria, produtos transformados e alguma tecnologia produzida pelos restantes (os países do centro e leste da Europa aderiram posteriormente com relativa facilidade à União Europeia porque haviam atingido um patamar de desenvolvimento bastante razoável no seio da KGST, coisa que não aconteceu com a maioria das repúblicas soviéticas).
A KGST também teve os seus compromissos, equivalente aos “tratados” ocidentais, também recebeu novos membros e ideias inovadoras durante a sua existência, mas com o colapso político resultante da Perestroika (reestruturação na União Soviética) em meados dos anos 80 e com o inicial abandono da República Democrática Alemã por iniciativa de fusão com a República Federal em 1990, a KGST pura e simplesmente se extinguiu (declarada extinta em Junho de 1991, tal como o Pacto de Varsóvia).

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Allegro ma non troppo

A expressão Allegro ma non troppo significa em italiano "rápido, mas não muito" e serve para designar o modo moderadamente rápido como um músico deve executar um determinado andamento, equivalente a uma pulsação entre 90 a 120 batidas por minuto. Allegro ma non troppo é o mesmo que Allegro moderatto.
Allegro ma non troppo é também o nome de um livro publicado em 1988, originalmente em italiano, da autoria de Carlo Maria Cipolla (1922-2000), historiador económico nascido na famosa cidade que não se fez em um dia, tal como Roma.
No capítulo “Le leggi fondamentali della stupidità umanaCipolla classifica primariamente a população humana em quatro grandes grupos:
Intelligenti (il loro comportamento causa vantaggio per sé e benefici per gli altri)
Sprovveduti (il loro comportamento causa danno per sé e benefici per gli altri)
Banditi (il loro comportamento causa vantaggio per sé e danni per gli altri)
Stupidi (il loro comportamento causa danno per sé e danni per gli altri)
Ou seja:
Os inteligentes, indivíduos cujo comportamento resulta em vantagens para si e benefícios para os outros;
Os idiotas, indivíduos cujo comportamento resulta em prejuízos para si e benefícios para os outros;
Os bandidos, indivíduos cujo comportamento resulta em vantagens para si e prejuízos para os outros;
Os Estúpidos, indivíduos cujo comportamento resulta em prejuízos para si e prejuízos para os outros.
Depois enumera as cinco leis fundamentais que definem o comportamento da estupidez na humanidade:
1. Sempre e inevitabilmente ognuno di noi sottovaluta il numero di individui stupidi in circolazione.
2. La probabilità che una certa persona sia stupida è indipendente da qualsiasi altra caratteristica della persona stessa.
3. Una persona è stupida se causa un danno a un’altra persona o ad un gruppo di persone senza realizzare alcun vantaggio per sé o addirittura subendo un danno.
4. Le persone non stupide sottovalutano sempre il potenziale nocivo delle persone stupide; dimenticano costantemente che in qualsiasi momento e luogo, e in qualunque circostanza, trattare o associarsi con individui stupidi costituisce infallibilmente un costoso errore.
5. La persona stupida è il tipo di persona più pericoloso che esista.
Ou seja:
1. Sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos em circulação.
2. A probabilidade de uma determinada pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dela mesma.
3. Uma pessoa é estúpida quando causa um prejuízo a outra pessoa ou a um grupo de pessoas sem realizar algum beneficio para si, ou mesmo sofrendo um prejuízo.
4. As pessoas não estúpidas subvalorizam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas; esquecem constantemente que em qualquer momento e logo, em qualquer circunstância, tratar ou associar-se com indivíduos estúpidos constitui infalívelmente um erro crasso.
5. A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Provisórios/definitivos

Segundo definição encontrada no De Consolatione Philosophiae, obra neo-platónica do filósofo romano Anicius Boethius, magister officiorum de Theodericus (rei ostrogodo que tomou parte do Império Romano do Ocidente), a eternidade é “a posse total, simultânea e perfeita de uma vida interminável”.
A vida dos Definitivos foi tão curta como a dos Provisórios, muito idêntica aliás. Para além da embalagem, a diferença entre entre eles estava essencialmente na concentração de alcatrão (também conhecida por condensado) que era inferior nos Definitivos (16 mg) e tornava os segundos possíveis de fumar somente provisóriamente devido a um elevado teor de concentração (21mg).
Menos curiosos do ponto de vista ideológico (com excepção ao Português Suave que tinha a virtude de poder ser tudo mas suave não era), embora igualmente nocivos, desapareceram as marcas CT, Estoril, Paris, Kentucky, Sagres, Negritas, Porto, Três vintes, Ritz, Kart... e entretanto nasceram outras.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Zikkurat

Zigurate é uma palabra de origem suméria (na língua acádia ou assiro-babilónio dizia-se ziqqurrat) que significa qualquer coisa como “elevação” ou “construção alta”.

Como edifício, o Zigurate é uma espécie de torre de igreja ou templo em forma de monte. Mais do que um mero edifício, simboliza o universo, um lugar de encontro entre os deuses da Terra e os do Céu.

Em Budapeste há um Zigurate, construído recentemente como parte integrante da galeria e arranjos exteriores do novo Teatro Nacional, segundo projecto de Péter Török, Zoltán Szabó e Réka Kralovánszky.

Zikkurat sumér szó, jelentése: magasságos.

Az égi és földi istenek találkozóhelye. Az zikkurat egy épülettípus: toronytemplom / hegytemplom , mely a világmindenség jelképe.

Az épületet tervezte: Török Péter, Szabó Zoltán, Kralovánszky Réka. A Nemzeti Színház kiállítóhelye.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Tempo dos deuses, tempo dos homens

Nun tempo en que os homes non cren nos deuses nin en nada, debido á perda de valores máis elementais, os deuses deciden intervir nos asuntos humanos.”
Todavia a existência dos próprios deuses estava condicionada ao facto de humanos crerem na sua existência, porque foram estes que os criaram para venerar segundo sua imaginação e veleidades epistemológicas e não o contrário como até então acreditavam os deuses.
Inconformado, Zeus refuta que é imortal porque assim declararam aqueles que o criaram. Tendo sido portanto designado de eterno e mantendo-se vivo apesar de milhares de anos terem passado desde a sua criação, era para si a prova indubitável de que a sua existência não depende de acreditações humanas.
Ó mesmo tempo soubo que xurdía unha caste de homes sabios para quen os deuses eran obxecto de estudio, non ó xeito dos antigos teólogos, que lles inventaban calidades, nin sequera dos poetas, que lles imaxinaban historias, senón segundo procedementos que se chamaban científicos e en virtude dos cales non había diferencia entre Afrodita e Astarté, vallam ambas como exemplo, ó tempo que unha e maila outra non eran máis que proxeccións, máis ou menos antropomórficas, da libido viril; o cal viña en certo modo a corrobora-lo antigo descubrimento de Hermes, de que os homes os soñaran, aínda que agora fosse máis desagradable e humillante, por canto ían os deuses en mesturanza, sen discriminacións e, sobre todo, sen o debido respecto a calidades e xerarquías; finalmente poñían muros a calquera esperanza, xa que explica-la xenealoxía dos deuses segundo o método científico non significaba de modo ningún crer neles, senón ben dar razóns para que non crese ninguén: presentaba-se descaradamente como invencións humanas, recursos últimos do medo, se ben non había deus que se librase de semellante definición, nin sequera o Deus Único que tanto lles dera que facer e que envexar.”
Com o escandaloso predomínio humano do racional sobre o numinoso, os deuses tornaram-se mitologia, perderam a imortalidade com o desaparecimento do último homem que neles teve fé e assim se extinguiram.
É este um resumo da história inventada “xuntamente con outras” em tempos “xa distantes” que Gonzalo Torrente Ballester apresentou ao público de então (em 1941) como sendo tradução de uma peça teatral escrita por um irlandês. “Ocorréuseme a invención... e de seguir adiante o fraude” admitiu o novelista quando finalmente publicou em 1979 O hostal dos deuses amables, em “que daquela se sentía máis galego que de sólito”.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

To be or not to be

Nunca por mero acaso... nos encontramos no local certo e à hora certa de algo ou nada acontecer.
Nunca por mero acaso... casou com Louis XVI a filha mais jovem de Maria Theresia (Sacra-Imperatriz Romano-Germânica, Rainha da Hungria, Croácia e Bohemia, Arquiduquesa da Áustria), irmã de quinze, também Arquiduquesa por consequência e Maria como sua mãe ou restantes onze irmãs.
Nunca por mero acaso... uma história inventada de amor é diferente de uma história de amor inventado e integrar uma construção dependente de improvisação somente é possível enquanto forem corrigidas as trajectórias do enredo com reformulação das idéias alienígenas pertencentes a esse mesmo tipo de construção.
Nunca por mero acaso... a caravana que integrou Solimão não terá sido importunada por cães à sua passagem, diferente do acontecido na Jangada de Pedra, romance do mesmo autor, onde não faltaram uivos e latidos principalmente nos Pirinéus e onde o referido elefante supostamente circulou alguns séculos antes.
Nunca por mero acaso... um desafio se torna um exercício de imaginação, brilhante quando enriquecido por um discurso elegante e com excelência de conteúdo e forma de modo a não desiludir leitores habituados.
Nunca por mero acaso... os leitores assíduos do Szerinting preferem chocolate negro, principalmente quando transformado em untuoso fondant de chaud-froid à la vanille, nada de pas vu, bem pelo contrário, um déjà vu, déjà connu, déjà vécu, mas sempre bienvenu.
Nunca por mero acaso... as teclas abusam e saltitam que nem pardalitos enquanto ideias divertidas jorram em conjunto com sorrisos, mais do que Moleskines gordos de notas amontoados na secretária.
Nunca por mero acaso... To be or not to be é o título apropriado para uma espécie de plágio assumido, que sem outros vícios de subjectividade havia antes de se chamar simplesmente To bee or not to be.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Abraço à Baía

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Conta a «Lenda do Lago» que...

N'aquela tarde calma, fora a pesca abundante.

Sant’António, do seu nicho, assiste vigilante

À faina. Os pescadores largam já d’amarra

E, como o mar é manso, lá vão de proa à barra

Alegremente em fila, o porto demandando.

O leme vai na orça, velozes vão passando

Na linha da «carreira», em frente da capela.

O Santo vai contando, um por um, vela por vela.

O sol é posto já. Traiçoeiro a refrescar,

O vento aflige o Santo e atormenta o mar.

Toldou-se o céu também, logo a terra escureceu

E, no regaço, o Santo Jesus adormeceu.

Já nas ondas envergam os novelos d’espuma

Mas, na conta das velas, inda falta uma!

Nos lábios d’António, trémulos d’amargura,

Alguma praga ao mar entre as preces se mistura.

Um ponto branco, ao sul, lá longe entre a procela,

Traz rumo aproado, à alvura da capela.

O bom do Santo ao ver essa asa de gaivota

Que tão audaz procura a linha da derrota,

Empalidece e treme, temendo-lhe o destino.

Não se atreve porém a acordar o seu Menino.

E murmura: «Jesus, Senhor! A vaga é tão alta

E aquela vela é a mais pequena que me falta!»

Enquanto dura a luta entre o mar e a vela,

António nota já não ser deserta a capela.

Uma pobre mulher, nos degraus ajoelhada,

Cinge contra o seio uma cabecita dourada.

No seu ardente olhar e nos olhos da criança,

O ponto branco brilha, como um farol d’esperança

E o pescador afoito aproa sempre a vela

Ao vulto da mulher, à brancura da capela.

O mar redobra a fúria, é um leão rugindo

E tranquilo Jesus, no regaço, vai dormindo.

Mas avistando o pano, roto já p’la rajada,

A cabecita d’ouro exclama apavorada:

«Ó mãe? Ó minha mãe?

É o meu pai, que lá vem?!»

N’isto, o Menino acorda e, mui mal humorado,

O aio santo increpa, de sobrolho carregado:

«O que foi isto, António? Quem foi que se atreveu?!»

O Santo aponta a medo a vela, o mar, o céu.

Nos olhos da mulher, onde a vela é agravada,

Uma lágrima... uma pérola pendurada.

Desvairado ao vê-la, implora Sant’António:

«Senhor... fazei bonança... o mar é um demónio!»

Jesus, serenamente, do nicho então desceu,

Com uma mãozita em concha a pérola colheu.

O seu rosado braço, enérgico, balança

E às ondas infernais a humilde jóia lança.

Depois, sorriu ao Santo com divino afago

E no mar, defronte da capela, fez-se um lago .

Um Pescador de São Martinho do Porto

... mas as origens da «Pérola do Atlântico» serão outras e remontam a muitos milhares de anos. Por fenómenos naturais e de erosão, a Baía de S. Martinho do Porto, situada na Costa de Prata, a cerca de 130 km a Norte de Lisboa, será o que resta da Lagoa de Alfeizerão, uma das três grandes lagoas que formavam um vasto estuário.

De clima ameno e águas tranquilas, a Concha Azul, como é conhecida pela sua forma singular e perfeita, é actualmente uma estância balnear, porto de recreio e de recolha de algas e limos.

Dois morros alinhados quase fecham a concha. Entre eles, uma passagem – a barra - de apenas 250 m, resultante de um abatimento, há milénios, da linha das montanhas. Na parte Sul da baía, entre o rio Tornada e a barra, fica Salir do Porto (nome de influência espanhola), a povoação que se fixou nessa encosta e a praia fluvial; a Norte e contornando o resto da baía, São Martinho do Porto.

Antigo e principal porto de pesca, escoamento e transporte de produtos agrícolas, madeiras e mercadorias da região, transacções comerciais com grandes mercadores predominantemente da Galiza e importante estaleiro naval – terão começado a ser aí fabricadas, nos séc. XV e XVI, naus e caravelas que integraram as expedições dos «Descobrimentos Portugueses» e também a de Alcácer-Quibir, mandadas construir as desta pelo rei D. Sebastião – São Martinho do Porto vê as suas actividades seriamente afectadas, já no séc. XVIII, pelo progressivo assoreamento da baía, por acção das areias arrastadas pela ribeira de Alfeizerão que ali desaguava.

Desse estaleiro naval, saíram grandes fragatas bem como o primeiro navio a vapor. Porém, a gradual diminuição da profundidade das águas foi agravando as condições de navegabilidade da baía e acabou por impossibilitar o acesso de navios de alto bordo que, por esse motivo, foram desviados para o porto da Nazaré. O tráfego ficou assim restrito aos saveiros (transporte de sal) e outras embarcações de envergadura e tonelagem muito menores.

Golpe fatal, quer para a construção naval, que já se ressentia do esgotamento das madeiras provenientes das matas de Leiria, o «Pinhal do Rei» (rei D. Dinis), quer para o escoamento e transporte de mercadorias (absorvidos estes também pela entrada em funcionamento em 1887 da Linha férrea do Oeste) e as transacções comerciais daí decorrentes, quer ainda para as actividades piscatórias, principal fonte de riqueza da vila. O declínio do porto leva ao seu encerramento em 1923, ficando quase reduzido à carga e descarga de limos e algas. Esta alga, a corriola, abunda na baía e a sua apanha submarina, artesanal e em apneia, mantém-se. Depois de seca e transformada em pó, em fábricas da Figueira da Foz e do Barreiro, é exportada para o Japão e utilizada nas indústrias farmacêutica e cosmética.

Se a linha férrea e também a ligação do ramal de estradas de Alfeizerão à Estrada Real de Lisboa e Porto levaram à desactivação do porto, em compensação, trouxeram a S. Martinho do Porto uma nova fonte de riqueza: o turismo. As condições naturais excepcionais da Concha Azul, as águas calmas, o areal de cerca de 3,5 km ligando um morro ao outro, a temperatura amena durante todo o ano, a beleza e o relevo da mancha verde envolvente, fazem dela destino regular de fim-de-semana e férias, fixam gerações de famílias e atraem, nos meses de Julho e Agosto, milhares de turistas.

O ramo hoteleiro, a restauração, o comércio, a indústria e a construção expandem-se. Contudo, as infra-estruturas rapidamente se revelam insuficentes ou incapazes de responder ao afluxo. Os efeitos nocivos fazem-se sentir: por um lado, a construção desenfreada atenta contra as belezas naturais, arquitectónicas e patrimonais de uma vila genuína, estância balnear com um toque de Belle Epoque, onde ainda se encontram alguns exemplares de Barroco, Arte Nova e a típica «casa portuguesa»; por outro, os níveis de poluição das águas (descarga a montante da foz do rio Tornada de efluentes de suinicultura e outras indústrias) começam a desviar um número significativo de veraneantes para outras praias da região com melhores condições e oferta. Também a corrriola, sempre tão abundante, começa a desaparecer.

Os filhos de São Martinho, como se denominam os residentes e amigos da Concha Azul, inquietam-se, lutam pela bandeira azul e unem-se no sentido de, junto das entidades locais, acelerarem o arranque ou a execução de projectos já em curso e das medidas necessárias à despoluição das águas, ao desassoreamento da baía, à requalificação paisagística, à protecção e preservação patrimoniais.

Assim nasce a «Associação Verão de São Martinho», que lança, a partir de 1999 e todos os anos, num dia de Agosto, a iniciativa do «Abraço à Baía» como forma de protesto e sensibilização.

Consiste o «Abraço à Baía» num cordão humano, rente à linha de água, ao longo dos 3500 metros de areal que vão do cais de S. Martinho a Salir. Envergando uma t-shirt branca, criada para o efeito e oferecida a quem queira, o cordão forma-se rapidamente; às 16 horas em ponto, um veleiro emite um sinal sonoro e todos se dão as mãos.

Coincidiu o último «Abraço à Baía» com o único dia de nevoeiro cerrrado de Agosto de 2008.

De cores e humores variáveis próprios de cada estação, que vão desde o reflexo de prata no mar ao pôr-do-Sol de fogo, do céu límpido e brisa morna à imobilidade do nevoeiro denso depois de uns dias mais quentes, S. Martinho do Porto também conhece dias tempestuosos, de nuvens negras e chuvas torrenciais desabando sobre um mar de chumbo, cenário digno de uma das telas sombrias de William Turner.

Integrada num plano mais alargado e de grande envergadura, são já notórios os resultados da acção das «Águas do Oeste», entidade responsável pelos vários projectos de requalificação ambiental da região, pelo processo de despoluição, da entrada em funcionamento da ETAR (Estação de Tratamento de Águas Residuais) de S. Martinho e de um emissário que permite a descarga das águas residuais em mar aberto e não mais nas da baía. A melhoria da qualidade biológica das águas é significativa: a prová-lo, o reaparecimento da corriola.

Abraço à Baía é um trabalho excelente de Bee Amacke e gentilmente oferecido ao Szerinting. Todas as imagens apresentadas pertencem à autora, excepto a primeira.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Flash

Acontece por vezes no instante pequeno da captação de uma imagem. O momento do disparo é o espaço intermédio entre o ser e o não ser, entre o movimento e a paragem.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

James

James raramente confunde ficção com realidade. A importância que a ficção merece, numa realidade que se movimenta ao ritmo de uma vida dispersa e distante, onde aventuras e compromissos se fundem, é pouca. Acontece porém, nessa rara confusão, a revelação de uma vocação.
Desejar não é o mesmo que aspirar tal como sonhar não significa idealizar. É tarde para a mudança quando certas prioridades consomem as liberdades, ou seja, quando as responsabilidades partilhadas voluntariamente impedem as decisões singulares. Isto nada tem que ver com idade e é independente do valor atribuído à arte. A vocação tem sido portanto desvalorizada.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

László

László esperou sempre por Luísa apesar da certeza incómoda de que não a voltaria a ver. Sabia-a longe, talvez em Lisboa ou em outra cidade da Europa, perto do que ele considerava belo: a poesia e a música.
O bilhete que lhe deixara no aparador era prova de que o amor subsistiria sem os corpos.
As estradas não são paralelas mas ambas têm o mesmo destino.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

De volta a Budapeste

Após uma noite passada em claro e onde para lá das cores, o movimento levou Luísa longe no pensamento, junto de, mas não em conjunto com Miguel, considerou voltar a Budapeste.
O fim-de-semana das rosas no aparador do quarto do New York Palace tinha-a feito entender a importância do amor solidário.
No dia em que visitou sozinha o Országház, supôs que László a teria procurado no hotel. Até hoje não sabe se o fez, também não perguntou.
Tinha como certo que um grande amor nunca acaba, mesmo quando a separação é eterna.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O silêncio à lareira

Miguel e Luísa encontravam-se amiúdes vezes na casa do primeiro. Os homens têm sempre algo em comum e este partilhava com Luísa uma paixão literária, a nudez e pouco mais.
Os seus olhares denunciavam apesar de ambos saberem pouco sobre muito das suas vidas. Miguel não perguntou da viagem porque já imaginava a resposta, Budapeste é uma cidade feiticeira e poucos resistem ao seu encanto.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Nus

Luísa precisava do tempo, pousou o telemóvel ali em cima da cama e descansou aconchegada ao lado da fotografia a preto e branco que guardava na cabeceira. Era dia frio.
A visita à cidade húngara tinha-a deixado coberta de beleza e não esquecia as flores depositadas no quarto do hotel. A palavra solitária no aparador começava a fazer sentido: “Amo-te”. László estava longe e isso deixava-a tranquila.
Banho quente trouxe dormida justa e para o dia seguinte foram relegados os compromissos da existência afectiva:
- Desculpa o meu silêncio de ontem.
- A nudez provoca quietude, eu entendo.
- Eu não estava nua.
- Eu sei, Luísa... tinhas apenas chegado de viagem... conheço os teus hábitos: Saia na cadeira, corpo deitado, fotografia na mesa e olhos cheios de memórias.
- Tenho pena que saibas tudo sobre mim.
- Também eu.
Duas estradas podem ser construídas desde a mesma origem e para o mesmo destino, mas os percursos nunca são iguais quando deixam de ser paralelas e vistas de perto.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Quase nua

Imaginava Luísa encontrar a praça de táxis do aeroporto de Lisboa enfileirada de bicolores e não pardos, enquanto aguardava por vez na confusão das Chegadas/Arrivals até descobrir as suas malas extraviadas, perdidas, desaparecidas e... “tome lá este talãozinho que depois nós telefonamos quando e se as encontrarmos”.
A Lisboa tem luz, tem mais luz. O céu e o firmamento são diferentes. A claridade aliada à mania de tudo transformarem em diminutivo, faz de Lisboa uma propriedade dos Lisboetas.
O motorista, condutor ou fogareiro ainda perguntou se a menina não traz malinhas, mas mais não insistiu porque o ofício tem ossos e os cantos da casa já o profissional conhece, foi suficiente o franzido na testa da cliente para saber em demasia qual a resposta, ademais o talãozinho erecto ainda na mão esquerda a denunciava.
Ignóbil, como tantos na sua arte, gastou a eternidade semafórica do percurso com um chorrilho de disparates demagógicos sobre a efectiva existência do afamado pipapapígrafo, acerca do qual, inchado e orgulhoso ele dizia saber filosofar... olha com quem.
Luísa largou as chaves sobre a mesa e também o talãozinho dos perdidos talvez achados, amarrotado em sintonia com o recibozinho emitido pelo senhor filósofo. Seguidamente afastou as cortinas, permitindo a explosão em sete cores de um raio de sol que atingiu os seus cabelos e logo entristeceu, sentiu-se nua, quase.
"O teu desejo, László, era também o meu desejo."

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Criatura rara

Apelidou-a de “criatura rara” e lançou desafios, ofereceu a eleição de um assunto para publicar, propôs intercâmbio. O objecto do e-mail tornou-se dedicação animada na busca de coisas novas, como sempre.
Enquanto ouvia a Rapsódia húngara nº2 de Liszt, Luísa procurava pelos “nús graciosos” que sabia existirem no museu Vasarely, junto à ponte Arpád, no Distrito III de Budapest. Nada encontrou. Desistente do nu, inverteu expectativas e formas. Buscas sucessivas trouxeram-lhe a geometria.
A instabilidade dos universos, a impressão do movimento, o sentido por detrás dos quadros. Uma forma de ver o mundo muito mais científica do que humanista. Apesar da ausência da forma despida, Luísa avançou para lá do movimento. A ousadia era desafio. Em jeito de resposta, começou a publicação de Vasarely com as mãos a tremer de medo. Nus que não se encontram, autor húngaro que nunca visitou e uma enorme vontade de continuar…

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Quando os olhos estiverem prontos

Na companhia dos “eus” que ambos construíram, combinaram trocas, visões mais ou menos científicas sobre formas geométricas e movimentos contínuos por amor na cidade: Victor por Luísa.
Histórias inventadas de amor verdadeiro e insistentes movimentos cruzaram duas cidades da Europa sem que se conhecessem por sentidos. Mesmo assim, contrariando a razão e a lógica, os seus “eus” apaixonaram-se assim como os poetas... fingindo completamente, chegando até a fingir a dor de uma alma que não têm.
Mas porque as palavras não adormecem, dependem apenas da prontidão do olhar, a estrada que acaba no mar poderá ser vista de perto.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Victor Vasarely

Győző Vásárhelyi nasceu a 9 de Abril de 1908 em Pécs na Hungria, e morreu a 15 de Março de 1997 em Paris. Estudou em Budapest e foi para Paris, onde trabalhou como designer gráfico em diversas empresas de publicidade.
Entre 1946 e 1948, depois de um período de expressão figurativa, optou pela arte construtivista e geométrica abstracta. Experimentou o uso de transparências e cores em projecções, produziu tapeçarias e publicou as suas primeiras gravuras. Os seus quadros combinam variações de círculos, quadrados e triângulos, por vezes com gradações de cores puras, para criar imagens abstractas e ondulantes. Viajou por muitos países e recebeu diversos prémios.
Victor Vasarely é um dos principais artistas do movimento Op Art . A expressão vem do inglês "optical art" e significa “arte óptica”. Apesar do rigor com que é construída, simboliza um mundo mutável e instável, que não se mantém nunca o mesmo. Mais próxima das ciências do que das humanidades, as suas possibilidades parecem ser tão ilimitadas quanto as da ciência e da tecnologia.
Outros artistas Op Art dignos de nota são Alexander Calder e Youri Messen-Jaschin.
Artigo cedido gentilmente pela autora do Blogue "A dobra do grito", onde originalmente foi publicado.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Pöttyös

A Pöttyös az igazi! é o slogan do mais famoso e provavelmente mais vendido chocolate húngaro, o Pöttyös.
Pöttyös significa “pintas” e o chocolate é um túró rudi, ou seja uma “barrinha de requeijão”.
O requeijão pertence à gastronomia tradicional da Hungria, utilizado em muitos pratos típicos e doçaria regional. Assim sendo, é tão comum encontrar túró salgado junto com batatas e ovo cozido por exemplo, ou adocicado no recheio de um crêpe (palacsinta).
É difícil portanto encontrar um húngaro que não aprecie um Pöttyös, ou quase crime dizer que não se gosta dessas pequenas barrinhas suculentas de requeijão doce revestidas com uma camada fina e estaladiça de chocolate negro.
Os verdadeiros apreciadores, ou seja aqueles que não se contentam com uma barrinha de apenas 30 gramas , têm a opção óriás, isto é, gigante, uma barra com 51 gramas e naturalmente um pouco maior (o adjectivo utilizado não corresponde à realidade objectiva), ou até mesmo algumas variantes do Natúr, nomeadamente:
O Tejes – igual ao Natúr mas com diferença no revestimento que é de chocolate de leite, a única variante disponível também em tamanho “gigante”.
O Kajszibarack, o Epres, o Mogyorós e o Kókuszos – iguais ao Natúr mas com aroma de alperce, morango, amêndoa e côco, respectivamente.
Recentemente foi lançado o Pont2, que é não mais do que uma saqueta com dois bombons de chocolate negro recheado com requeijão e creme de amêndoa no centro.
Existem outras marcas, por exemplo a Nestlé, que lançaram as suas idênticas barras de requeijão no mercado, mas... A Pöttyös az igazi! (O pintas é o verdadeiro!).
A informação apresentada não tem objectivos comerciais e corresponde a uma análise superficial efectuada directamente num hipermercado de Budapest, contrastada com uma fundamental descrição pormenorizada de uma apreciadora incontestável, conhecedora portanto da essência, sabor e textura do produto na sua versão base e variantes disponíveis.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

As luvas de László

Tornou-se Eusébio da Silva Ferreira famoso por artes mais físicas do que espirituais, apenas e o bastante para ser presença imóvel em metal nobre, castanho por inteiro, roupa e botas indistintamente, junto ao estádio do, digamos, glorioso.
Por essas bandas, as de Benfica, era comum ver passar o break de Carlos da Maia, amigo de infância do Silveira Eusébiozinho, em direcção à Porcalhota com um aspecto resplandecente e olhar aceso sob veston de xadrezinho castanho em almofada burguesa. O mesmo Carlos, de barba muito fina, castanha-escura, rente na face a aguçada no queixo, conheceu Maria Eduarda em Lisboa e rapidamente se apaixonou pelo passo soberano de deusa, mulher maravilhosamente bem-feita e de cabelos espessos ondeando ligeiramente sobre a testa, em dois tons, castanho-claro e castanho-escuro.
A fazer fé na tradução, pelo mesmo Eça de Queirós, do livro King Solomon's Mines de Henry Haggard, o Capitão John tinha um fato completo de cheviote castanho, com chapéu da mesma fazenda, polainas irrepreensíveis, luvas amarelas de pele de cão, a face escanhoada, monóculo no olho, os dentes postiços rebrilhando em glória, enquanto por África partcipava em caçada de elefante, localmente chamado Uncungunlovo.
Igualmente probiscídeo, mas de origem indiana, Solimão não se livrou de ser conduzido em estafante viagem por Fritz, o cornaca patrício igualmente naturalizado austríaco no exacto e espontâneo momento em que Maximilian II decidiu o baptismo. O paquiderme castanho havia sido ofertado pelo Rei D. João III e Catarina, prima do Arquiduque mas espôsa do primeiro.
Os olhos deste rei português eram azuis ou verdes tal como os tinha seu pai, e não castanhos como os da feiosa sua mãe Maria de Aragón y Castilla, filha dos Reyes Católicos de Espanha.
E porque todos os nove filhos legítimos de João, os concebidos por Catarina, morreram antes de o sucederem no trono, foi seu neto D. Sebastião, orfão, tornado rei aos três anos de idade e por tal conhecido como “o desejado”. Castanhas são as roupagens e adornos da armadura do Rei D. Sebastião, segundo a pintura a óleo exposta no Museu de Arte antiga, na Rua das janelas verdes, palácio que pertenceu aos Condes de Alvor, e posteriormente foi adquirido pelo Marquês de Pombal, também este Sebastião.
Ora Sebastião José de Carvalho e Melo, após ter desempenhado funções de embaixador em Viena, servindo o Rei D. João V, foi empossado Ministro dos Negócios Estrangeiros pelo recém entronado Rei D. José I, sendo já Primeiro-Ministro no ano em que o dia de Todos os Santos foi trágico para o Reino de Portugal e principalmente para a Lisboa. A reconstrução patrimonial foi portanto uma responsabilidade sua, razão pela qual alguns lugares e objectos são conhecidos pelo seu próprio nome, como é o caso de um certo tipo de azulejo. O Azulejo Pombalino é caracterizado principalmente pela policromia (o azulejo deixa de ser somente azul e passa a exibir naturalmente outros tons, principalmente o amarelo, o verde e o castanho) e também por padrões de repetição simples de modo a revestir intensamente fachadas e decorar espaços públicos de menor nobreza.
Por outro lado e ainda a propósito, no dia onde a memória de mártires é tipicamente celebrada com castanhas assadas, antes mesmo do Magusto, é também tradicional as crianças saírem à rua em pequenos grupos para pedirem o “Pão por Deus” às portas enquanto proferem versos populares ou simplesmente repetem palavras amáveis. Em troca recebem rebuçados, biscoitos, bolachas, broas, bolos, nozes, avelâs, amêndoas e castanhas, embora seja provável preferirem chocolates, que embora sejam feitos com manteigas e leite, são castanhos por causa do cacau.
Para além disto tudo, ainda há as luvas de László, que por lógicas diversas do acaso, definitivamente não são pretas!
Esclarecimento: Artigo dedicado por James Stuart a “quem sabe alguma coisa acerca de algo” e por tal capaz de entender o que lê para além das simples palavras. Para os restantes, há as fotografias.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Cravo

Em português chama-se cravo mas é harpsichord em inglês, clavecin em francês, clavicembalo ou somente cembalo em italiano, igualmente em alemão e csembaló em húngaro.

Descende provavelmente do saltério, que por sua vez é parecido com uma harpa.

Se por um lado, na forma e até modo de utilizar o cravo apresenta fortes semelhanças com o piano, este é menor e pode ter desde um a três manuais (teclados).

É verdade que o piano (inventado no início do séc. XVIII em Itália) praticamente substituiu o cravo em termos de popularidade, principalmente a partir da segunda metade do séc. XVIII até aos dias de hoje, tendo o cravo sido muito utilizado desde o início do séc. XVI (primariamente fabricado quase em exclusivo por artesãos italianos e posteriormente também por flamengos, franceses e outros).

Mas se na forma, conforme referido, existem semelhanças entre os dois instrumentos, será errado considerar que um é percursor do outro porque o cravo funciona por tangência (ou beliscamento) nas cordas enquanto o piano emite sons por percussão nas mesmas. Ou seja, no cravo, ao premir as teclas, os plectros (palhetas) puxam as cordas desde os saltadores de um modo similar ao movimento de unhas a puxar as cordas numa guitarra acústica.

Apesar da grande capacidade de registração conseguida pelo cravo (mais do que uma corda para cada nota com saltadores separados de modo a serem tocadas por plectros em locais diferentes), a sua sonoridade era desfavorável para obtenção de timbres fortes e fracos (crescendos e diminuendos) ao contrário do piano.

Todos os grandes compositores barrocos tais como Scarlatti, Seixas, Händel, Bach e outros, bem como Mozart e Beethoven (estes já posteriores ao barroco) escreveram e utilizaram amplamente o cravo.

Merece a pena ouvir uma composição para cravo, com o concerto em Lá Maior de Carlos Seixas (José António Carlos de Seixas), compositor e cravista português do séc. XVIII, mestre da Capela Real e organista da Sé Pratiarcal de Lisboa.

(É conveniente interromper primeiro a Rapsódia Húngara nº 2 de Liszt, na barra lateral, de modo a evitar sobreposição)

Cravo (vídeo)

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Calhaus

- Queres parar de me bater?
- Não me tivesses andado a atirar calhaus.
- Não eram calhaus, eram pedrinhas.
- Eram calhaus.
- Pedrinhas.
- Calhaus, podiam aleijar.
- Pedrinhas que quase não se sentem.
- Incomodam.
- Não matam.
- Mas moem.
- Devolve-me o que é meu e eu paro de atirar.
- Não tenho nada teu, isto é meu.
- É meu.
- É meu, meu, meu.
- É meu vezes infinitos.
- Se é teu anda cá buscar.
- Não posso, tu bates-me.
- Só porque tu provocas.
- Só provoco porque quero o que é meu.
- Já tens o que é teu.
- Não tenho não.
- Tens sim, já devolvi.
- Só uma parte.
- É a tua parte.
- Falta uma parte.
- Não, não falta.
- Falta, falta.
- Não falta, não falta e não falta.
- Então para que é que fizeste um muro à volta?
- Porque tu queres tirar-me o que é meu.
- Porque é meu.
- Mas tu já tens o que é teu, deixa-me em paz.
- Não enquanto tu não te fores embora ou pelo menos me devolveres o que é meu.
- E eu não vou e não saímos da cepa torta.
- E eu continuo a atirar pedrinhas.
- São calhaus e às vezes acertam noutras pessoas.
- Isso vindo de quem me dá cargas de porrada que deixam marcas até em quem está a ver.
- Só porque tu não respeitas as tréguas e me atiras calhaus.
- Só porque tu me oprimes. E não são calhaus são pedrinhas.
- São calhaus, aleijam.
- Tu aleijas mais.
- Só porque tu atiras os calhaus.
- Pedrinhas...
...continua (infelizmente).
“Calhaus” foi cedido gentilmente por Pnet Homem e pelo próprio autor, João Moreira de Sá. A imagem apresentada não pertence ao editor do Szerinting, tampouco ao autor do artigo.

O outro alguém

Ele era extremamente empenhado em elaborar estudos e estimativas económicas específicas, estimado elemento em equipa e excelente exemplo em espírito empresarial, especialmente enquadrado entre empresas exclusivamente estabelecidas em encontros esporádicos. Europeu educado, erudita estagiário e etnógrafo evolutivo, era experiente especialista em estudos etimológicos e estrangeirismos, entrusado entre escritores, embaixadores, estudantes, etc.
Enquanto estivessem estabelecidas etapas exageradas, eventuais entraves estatísticos e edificabilidades erradas, encontravam-se então encerradas expectativas, esperanças e ensejos em expressões estritamente empíricas e exclusivamente estimulantes.
Preferia primariamente produzir prosa principalmente pofissional, provocando pensamentos perniciosamente populares, proferindo previsões porventura providenciadas por promissora proactividade psicanalítica potencialmente perigosa para permanentes possidónios, pretensiosos poltrões, perfeitos pusilânimes.
Pretendendo prestígio, ponderou penhorar prioridades, precisamente para patrocinar publicação progressiva, porém preciosa, projectada particularmente para penetrar preferentemente pessoas prepararadas para perceberem pressupostos pensamentos profundos, premeditadamente problemáticos para provincianos, parôlos por percalço, parvos por prévia parecença paterna, provavelmente paridos por palermas.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Hétvége Budapesten

Luísa subia e descia a mesma calçada de uma Lisboa que a tornava mais e mais cansada, mas não como a da poesia no Teatro do Mundo, simplesmente esgotada e farta da redundante mediocridade de um povo que a deixou construir. A sua vida, por assim dizer, tornou-se numa rotina de hábitos e missões, costumes e obrigações, de uma tolerância demasiado impávida ou simples falta de coragem, chamemos comodismo.
Numa manhã débil de Janeiro, daquelas sem alvorada ou somente disfarçada por uma chuva que desaba depois num repentino mas óbvio momento, saltou Luísa do quentinho com maior vontade de regular os ponteiros do relógio de modo a iludir o tempo ou as distâncias que o medem, mas não, seguiu nos afazeres da rotina, ensinou afectivamente a quem tinha de ensinar sobre aquilo que lhe disseram ter que ser a verdade factual ou por vezes suposta e nada de interessante aconteceu, nada apareceu como novo ou sem aviso do tipo, digamos, prévio. As horas passaram com a mesma indiferença que a ausência tem pela espera e fez-se noite.
Na companhia do seu outro eu, aquele que se compromete a existir em caixas de correio electrónicas e afins, deixa-se anestesiar por pensamentos e leituras, caracterizando por palavras as análises que faz a formas geométricas e movimentos contínuos por simples prazer ou simpatia, descobre a curiosidade de sentir Budapeste.
O taxi que apanhou Luísa no Terminal 2B do aeroporto Ferihegy era preto e igual a todos os que pertencem à única companhia autorizada a transportar passageiros desde essa praça. Durante todo o percurso somente o silêncio total e absoluto fez memória porque tanto o motorista como a cliente não verbalizavam um idioma comum, o destino havia sido indicado por escrito.
A língua Magyar é de facto muito única, a quantidade enorme de vogais torna-a fácil de ler embora fossem poucas as palavras que Luísa entendia. Perto do hotel existe uma Gyógyszertár, pela montra percebeu tratar-se de uma farmácia. Numa esquina observou estacionado um carro da Rendőrség, pela pintura percebeu ser da polícia.
O hotel New York Palace estava completo, apenas sorte foi ter sido destinado a Luísa um quarto com janela na fachada frontal, virada para a Nagy Körút. A relação entre o edifício e a cidade de Nova Iorque é nenhuma, pois nem o arquitecto era americano, tampouco essa cidade tem edifícios tão belos. O tempo voava entre check-outs e chek-ins e às quatro da tarde, após um banho quente e aromático rematado com toalha bordada e um Pöttyös óriás, a noite já estava instalada numa capital que se comportava igualmente, como se dia se tratasse.
Três dias, duas noites era o programa, embora a verdade significasse duas metades “queimadas” entre a chegada e a partida que as agências não relevam nem revelam mas de facto só pode ser um óbvio como óbvias são as contingências das distâncias e trâmites legais ou acordados.
O porteiro abriu a porta e responde “szívesen” ao “thank you” que posteriormente passou a “köszönöm”, Luísa entrou no primeiro eléctrico que parou, um número 4, desconhecendo o sistema de tarifas e controlo, simplesmente ao acaso e por curiosidade primária subiu, ajustou a saia púrpura e naturalmente sentou-se. O eléctrico manteve-se estático e de portas abertas durante uns cinco minutos ou mais até uma voz de altifalante provocar um êxodo total. Os mesmos olhares, tão sisudos e imóveis como o próprio eléctrico estavam agora na paragem, alguns fixados em Luísa que se mantinha sentada, mas só, dentro da carruagem. “Algo se passou, alguma coisa importante disseram ao microfone porque todos estão lá fora... em Roma sê romano, logo em Budapeste faz como vires fazer”, terá pensado e "o mais prudente seja abandonar também". Neste entretanto de indecisão, um leve toque no vidro e um sorriso do lado de fora... “The tram is stopped because of... some kind of problem… perhaps an accident in the track”. O jovem continuou prestável e cortês, auxiliou Luísa a descer por uma mão quente já sem luva. Acertaram no idioma, que a outra opção seria o alemão, menos prático para ela mas indiferente para ele, num diálogo suficientemente extenso para as devidas apresentações terminarem num convite, Kávé és sütemény numa cukrászda.
László expressava-se num inglês fluído e com um sotaque mínimo, apenas incapaz de pronunciar correctamente o W, que sempre dizia V. Nos primeiros momentos a coisa era irritante principalmente quando o “vére” aparecia no lugar de “where”, mas depois passou a ser engraçado e até motivo de graçolas, onde Luísa repetia o seu sotaque propositadamente sem que László desse conta.
Na outra mão ainda coberta por luva, o jovem transportava um dvd, Anything Goes, o musical. Obviamente Luísa aceitou o convite. László arqueou o cotovêlo e iniciou a caminhada. Luísa enrubesceu mas entregou a mão no seu braço e seguiram juntos.
I’ve got you under my skin era a composição de Cole Porter ditada pelo piano do Lukács à chegada, mas László fez questão de segredar ao ouvido do músico e de seguida surge Bossa-Nova numa melodia de António Carlos Jobim, Luíza.
O vislumbre da paixão enchia um coração devolvido de lembrança ou simplesmente uma nova esperança fez seus olhos brilhar e a pulsação saltitar... por um amador, aprendiz do seu amor... e desejou tanto um beijo.
Juntos visitaram o Szépművészeti Múzeum, um museu riquíssimo onde se encontram expostas peças de pintores e escultores de toda a Europa, pouca quantidade é certo, mas mais do que em todos os museus de Portugal, juntos. A exibição extraordinária de El Greco foi uma boa oportunidade também e por fim a iluminação da Praça dos Heróis emprestava magia ou poderes acrescidos ao Arcanjo Gabriel na sua tarefa de proteger com mais empenho os Magyarok, desde o topo da coluna ao centro.
László seduzia pela oportunidade e destreza de seus comentários e movimentos, um espécime masculino raro. História, literatura, poesia, pintura, música, cinema... eram motivo de conversa e domínio, diálogo nunca interrompido sequer para perceberem que as suas mãos já agarravam como se eternamente fossem par.
Caminharam até à Szent István basilika, de facto enorme e bela, mas não a igreja mais bela que alguma vez Luísa vira, faltavam-lhe os azulejos. Lá dentro sentiu-se novamente perto de Deus, aproveitou para pedir protecção e perdão por pecados, para já os do pensamento ou desejo.
O perfume doce na brisa que o Danúbio transportava excitava os sentidos e a imaginação para palavras mais belas, percorreram a margem de Pest até ao Nemzeti Színház, o teatro nacional. O frio e a estatuária do jardim contíguo resultaram em abraço, terno e macio. O jantar aconteceu no barco Spoon, com vista para o palácio real e a manhã apareceu com o encerramento da discoteca Buddha Beach, assim grande como o Lux, mas num armazem parecido com os das docas de Lisboa. Luísa regressou ao hotel onde descansou até ser noite novamente, o seu cansaço era diferente agora, parcialmente físico mas fortemente emocional.
Junto ao aparador, um ramo de rosas frescas devolveu o sorriso a Luísa e logo uma expressão facial indefinida de curiosidade estupefacta, um cartão dizia Szeretlek e um número de telefone.
Luísa não voltou a ver László mas sentiu Budapest na sua essência, romântica, tal qual imaginava. A sua história não chegou a ser de amor porque simplesmente preferiu desconhecer um final arrebatador.
László procurou por Luísa, três vezes em Lisboa e outros milhares no mundo virtual, mas nada de Luísa... fosse outro o seu verdadeiro nome.
Hétvége Budapesten (Fim de semana em Budapeste) é dedicado à autora do Blogue “A dobra do grito”.