terça-feira, 31 de março de 2009

Murgeira 3/6

Que a fonte tinha sanguessugas era um mito para assustar os mais pequenos, havia sim e por toda a parte lesmas, invertebrados gastrópodes parecidos com caracóis mas sem concha às costas e igualmente mucosos. Ainda sobre bichagens, também é verdade que as rolas enjauladas no barracão contíguo à casa branca caiada e de barra azul moravam ali por idéias singulares mas a contragosto da avó, não tão confirmado é certo como nos dias em que um aviário chegou mais acima a ser instalado. Contudo, os chumbos e cartuchos que se encontravam na pequena prateleira junto à porta da casa serviam para acções meramente hostis perpetradas contra outros alados que não estes.
Junto ao portão as papoilas alternavam o colorido com umas flores de lilás-azulado e com forma de trompa mas de vida curta. Havia ainda umas plantas azedas de sabor mas com uma flôr pequenina muito amarela e trevos de apenas três folhas como normalmente manda a lei da natureza, lugar de gafanhotos e pirilampos. Quando caçados, esses insectos eram mantidos em frascos de vidro translúcidos até finarem e sem que alguém de adultos se importassem com a maldade. Outras flôres existiam junto ao alpendre, brancas e de maior porte, os jarros.

sábado, 28 de março de 2009

Aniversário

Na data presente o Szerinting completa dois anos de existência. Merecendo o espaço que os seus leitores definiram oportuno, sejam eles habituais ora espontâneos do mero acaso, existem intenções para a continuidade, nos mesmo moldes e estilo, sob o mesmo pretexto de propósitos. Por consciência da importância que têm os primeiros, os assíduos, na maioria conhecidos pessoalmente e refinados de exigência, o editor emite especial agradecimento embora se excuse a citar nomes de óbvio. Pelos segundos, embora anónimos, o editor reconhece uma enorme satisfação por verificar ser o Szerinting fonte de suas pesquisas e trabalhos, recurso constante para estudantes e professores, curiosos e interessados.
A orientação, não de bússola nem de mapa, mas de mão que agarra o mapa, ela existe. E o invejável sonho e tangível direito referido inicialmente, esse também existe.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Coisas boas...

O dia começava cedo, bem cedo. Ainda o sol se espreguiçava da dormência da noite, já Adélia revolvia a vida por dentro e por fora num frenesim de força e vontade que contagiava tudo e todos.
Era um tempo difícil. Trabalhava longe, em casa das senhoras ricas, às vezes levava também a filha pela mão e percorria ruas e vielas como quem passa de um mundo para o outro. Para trás já tinha ficado a janta pronta, as camas feitas, a roupa estendida e outra de molho em sabonária para ser lavada à noitinha.
Naquele passo certo e corrido, Maria João, a menina, era levada quase a reboque.
- Porque não vamos de camioneta mãe? - Perguntava ela, sentindo ao fim de poucos metros o cansaço nas pernas franzinas. Adélia ás vezes sentia-se angustiada por sujeitar a filha àquele esforço, mas o que podia fazer? Não conseguia esconder-lhe a realidade e embora sonhasse com um futuro melhor, era preciso ensinar Maria João a enfrentar qualquer adversidade sem grandes lamúrias ou lamentações.
– Para irmos de camioneta gastamos quatro escudos por dia e é preciso poupar filha! Vais ver que chegamos num instante e depois vais ter todo o dia para descansar. Os quatro anos de Maria João, faziam com que não pensasse noutra verdade para além daquela que a mãe lhe dizia, agarrava-se a ela com a mesma força com que segurava a sua mão e juntas atravessavam a vida.
De todas, a mais bonita era a casa da D. Mimi. Ficava num 8º andar de um edifício tão alto que quase arranhava o céu. Tudo brilhava naquele luxuoso apartamento; os móveis de madeira exótica, o chão encerado e lustroso com carpetes bonitas, cortinados e reposteiros de tecidos nobres e cores sóbrias, pratas e porcelanas dispostas numa decoração requintada. Na cozinha, espaçosa e arejada, os tachos e panelas luziam pendurados e pairava no ar um aroma doce que se misturava depois com o cheirinho do café que Adélia fazia para os senhores, mal chegava. Quando as meninas se levantavam, a mesa da sala já estava majestosamente pronta para o pequeno almoço. A Senhora já tinha dado as ordens para a refeição seguinte que deveria ser servida à uma hora em ponto, isto depois de Adélia se desfazer em agradecimentos e desculpas por ter tido a permissão, mais uma vez, de levar a filha consigo, assegurando que ela não perturbaria nem os seus afazeres e muito menos a vivência dos donos da casa.
Maria João interiorizava com atenção todas as conversas, jeitos e gestos, sentada a um canto da cozinha, num banco de madeira pintada. Nervosamente, ou porque a imponente figura da D. Mimi a intimidasse, ou porque assumia a postura formal e servil da mãe, ela esticava a saia de xadrez pregueada para que lhe cobrisse os joelhos, tal qual lhe recomendava sempre o pai.
Depois era o reboliço. Era a dona da casa que tocava na sala o sininho, dando sinal para que Adélia comparecesse sem demoras. Era o Senhor General, que Maria João apenas conhecia pelo som austero da voz, que dizia: “Tenha modos Nônô!” ou “Fifi, a menina ainda não lavou os dentes?”. Era a menina Nônô, a mais pequenina, que vinha à cozinha pedir à Adélia que lavasse o vestido da boneca ou lhe fizesse o totó e olhava curiosa para a menina, dizendo-lhe simplesmente “Olá”.
Ao fim de algum tempo, a calma e o silêncio iam regressando ao ritmo da porta da casa que se abria e fechava até todos terem saído.
Ficavam depois só as duas, mãe e filha, naquele que era para Maria João um palácio e para Adélia uma casa de muito trabalho.
Depois de saborearem um delicioso café, feito com as borras já coadas do café anterior, Adélia começava a labuta; limpava, arrumava, lavava, esfregava, polia, estendia, passava e cozinhava com a mestria do saber fazer que dez dos seus vinte anos de vida, lhe haviam ensinado enquanto servia em casa de senhores.
Maria João, sempre de volta da mãe, aprendia com ela os gestos mágicos que transformam as casas em portos seguros, asseados e deliciosamente confortáveis.
Só havia um sítio onde ela se perdia como criança; o quarto das meninas. Tudo era tão lindo! A colcha rosa fofinha que cobria a cama pintada de côr branco-pérola . O abajur do candeeiro que era afinal o guarda-sol da boneca que agarrada a ele pendia do tecto. A caixinha de musica com a bailarina em pontas que ela fazia rodar dando-lhe corda, atrevidamente, assim que a mãe se distraía. E as bonecas, tantas bonecas! Grandes e pequenas, como ela nunca vira senão ali. Adélia deixava-a sempre mexer nelas, tocar-lhe nos cabelos, ajeitar-lhes os vestidos. Sabia que existia uma infância roubada no olhar da filha e que aquele era um dos poucos momentos que permitia o seu reencontro. Apesar de saber que a filha tinha todo o cuidado do mundo, ela repetia sempre o mesmo aviso, com a firmeza das coisas inquestionáveis:
- Volta depois a pôr a boneca no sítio e não estragues nada!
Voltavam depois à cozinha e era hora de preparar o almoço.
Pouco depois regressavam todos e também o reboliço e o som do sininho, com a Adélia a colocar o avental branco bordado para se apresentar prontamente à chamada. Ah! E no banquinho de madeira, lá ficava novamente a Maria João sentada, à espera que se fizesse novamente silêncio.
Almoçavam na cozinha o delicioso repasto das sobras da refeição dos senhores que eram devolvidas nas travessas, ás quais se juntava por vezes um pouco mais, que de tanta fartura, havia ficado no tacho.
À hora da sesta, Adélia estendia uma saca de serapilheira limpinha no chão da marquise. Maria João adormecia ainda a sentir o beijo e a carícia da mãe, a ouvir o tilintar dos pratos e copos que ela lavava e a pensar na manhã, cheia de coisas boas que tinha vivido.
“Coisas boas...” foi gentilmente cedido por Maria João Martins, a autora (publicado originalmente no blogue Pequenos detalhes). A imagem apresentada é sua propriedade.

A Espuma dos dias

É a época da lampreia.
Em Entre-os-Rios deu-se o confronto surrealista com uma lampreia bem nutrida, que emergia ou flutuava ou se movia, de gordos pedaços escuros em arroz ensopado num molho escuro e espesso, enfiado em grande terrina fumegante, movediço, exalando um odor acidulado de revirar o estômago.
Aquela coisa viscosa que ao ser servida parecia rastejar e querer evadir-se dos pratos fazia recordar em L’écume des jours, de Boris Vian, a cena descrita com sadismo por Nicolas a Colin, da captura sangrenta de uma enguia que, saindo pela torneira do lavabo, ia todos os dias gulosamente sugar du dentifrice à l'ananas. Para a apanhar, Nicolas colocara um ananás em vez do tubo de pasta. Sôfrega, a enguia abocanhou-o, cravou-lhe os dentes e já não conseguiu recuar dentro do cano. Nicolas decapitou-a com uma lâmina de barbear, abriu a torneira e o resto saiu; fez então com ela um pâté. Enquanto ouvia os pormenores do relato do seu cozinheiro, Colin deliciava-se com a iguaria: - Redonne-moi du pâté. J'espère qu'elle ait une nombreuse famille dans le tuyau.
Engenheiro mecânico, inventor, escritor, poeta, actor, guionista e cineasta de curtas-metragens, cantor, letrista, trompetista, pensador, inconformista, iconoclasta, patafísico e anti-militarista, Boris Vian era um apaixonado pelo jazz, manipulando as palavras como fazia com os sons: a sua escrita, lâmina afiada, é uma profusão de símbolos, metáforas e figuras, sincopada e ritmada, uma sucessão de anagramas, trocadilhos, neologismos, jogos fonéticos, variações e improvisações.
Apaixonado também pela cultura do absurdo, jogos intelectuais e lúdicos surrealistas e escrita automática, lança os leitores para o mundo angustiante da desesperança, numa viagem ao insólito em que nem sequer importa definir a fronteira entre realidade e imaginário, possível e impossível, viagem desconfortável, amarga e simultaneamente hilariante, em que, desesperadamente apaixonados ou amorfos, humanos e objectos, animados estes de vontade própria e agressividade, disputam o mesmo espaço: paredes e tecto que se fecham como um diafragma, enclausuram, asfixiam e esmagam (Le Mur, de Sartre, transmite essa sensação de claustrofobia, de obstáculo invisível mas intransponível), uma pedra que brota do chão para fazer tropeçar quem passa, máquinas numa linha de montagem que esquartejam os operários ou lhes arrancam pedaços, braços e pernas, uma avenida em que só uma em cada duas árvores dá sombra, um raio de Sol que encontra um obstáculo e cliva, a côr que se desprende de um lenço e se vai pousar no beiral de uma janela, as ratazanas de hirtos bigodes negros e magnífico pelo sedoso, que brincam lá em casa mas só no corredor e que o cozinheiro alimenta bem mas sem as deixar engordar demasiado...
Artigo adaptado de um original escrito por Bee Amacke. As imagens apresentadas não são propriedade do autor.

Resineiros

Uma homenagem aos resineiros, em Alvares, Concelho de Góis.
Ao resineiro força do pinhal, e pela resina, sangue do pinheiro, o orgulho e o reconhecimento.

sábado, 21 de março de 2009

Capela de Santo António

As temperaturas amenas e o céu limpo anunciam a Primavera que é em São Martinho mais agradável assim sem vento, sem turistas. A baía, um espelho de água e o pôr-do-Sol, uma imagem de postal. À noite, a temperatura cai verticalmente e ainda não se dispensa o aquecimento nem a lareira.
O padroeiro de São Martinho do Porto é Santo António como em Lisboa e a capela com o seu nome é no morro norte da enseada, onde se encontra empoleirada a proteger o menino Jesus da água caída do céu, enquanto este, por seu turno, se obriga a proteger os pescadores da água levantada do mar.
A capela de Santo António está virada a Sul-Sudoeste, para a entrada da barra, portanto, com vista sobre o Atlântico e a baía.
Junto à entrada existe um painel de azulejos com uma imagem do Santo milagreiro a embalar o bébé Jesus acordado e outra a representar as embarcações da pesca artesanal. Mas na fachada Leste é onde se encontra o painel com “A Lenda do Lago”.
A Capela de Santo António é a continuação de Abraço à baía, artigo da autoria de Bee Amacke assim como as imagens apresentadas.

Magyar László

László Magyar foi um húngaro que se tornou rei em África.
A heráldica da vila de Öttömös, na província de Csongrad, ainda hoje preserva a sua memória embora sejam poucos os húngaros que saibam algo sobre este eminente explorador aventureiro. A família Magyar foi em determinado período a proprietária das terras de Öttömös, confirmado pela representação de um unicórnio branco em fundo vermelho e por uma coroa com motivos africanos (desenhada a cabeça de um leão e dois dentes de marfim) a par de um curso de água e de uma âncora.
László Magyar nasceu em Szombathely a 13 de Novembro de 1818 e morreu provavelmente a 9 de Novembro de 1864 em Benguela, Angola, possivelmente vítima de malária ou de tuberculose. A sua carreira na Marinha Imperial começou em Fiume (O Império Austro-Húngaro tinha acesso ao mar através das províncias que hoje correspondem à Croácia e de alguns territórios litorais que actualmente pertencem à Itália) e daí partiu para a América do sul. Nas florestas amazónicas no Brasil não encontrou quaisquer cidades perdidas, quando decidiu conhecer e cartografar os territórios inexplorados do interior da África Ocidental, Angola.
Aos trinta anos de idade László Magyar estabeleceu relações de confiança com o Rei do Bié, acabando por casar com uma filha sua.
A breve morte do sogro concedeu ao húngaro o direito legítimo de sucessão ao trono do reino bieno, por herança tomou posse de um território maior do que o país onde nasceu.
Com a colaboração dos seus súbditos, László Magyar organizou diversas expedições de modo a identificar geograficamente o Reino do Bié e os territórios a norte como ainda registou o posicionamento do rio Congo e do rio Zambeze.
A maior parte do tempo, ou seja durante os 17 anos vividos em África, László dedicou-se a estudos etnográficos e à aprendizagem de línguas nativas. Consequentemente sabia falar Quimbundo e provavelmente compreendia os dialectos Umbundo, Ovampo, Lundo e Lovar, para além das seis línguas européias que já conhecia, nomeadamente Português, Castelhano, Italiano, Francês, Alemão (utilizada com alguma frequência em relatórios e mapas que enviava para Viena) e obviamente o Húngaro (a que utilizava na correspondência com a Academia de Ciências).
Apesar de ter formação militar da Marinha e alguns conhecimentos de astronomia, a habilidade de László Magyar em desenho cartográfico era fraca e muito pior era a sua organização documental ou o modo como partilhava as suas descobertas e estudos (as comissões de exploração na América do sul e África eram seguidas atentamente e com interesse pelas Sociedades de Geografia e Academias de Ciências tanto da Áustria como da Hungria). Foram precisamente estas duas falhas (mapas demasiado distorcidos e relatórios recheados de contradições factuais e descrições confusas) que descredibilizaram o explorador na Europa em comparação com outros exploradores comissionados em outras regiões.
A correspondência do húngaro era todavia mais interessante para os portugueses do que para os austro-húngaros (assim explicado o facto de existirem primariamente traduções para português de documentos publicados em alemão e húngaro ou interceptados pelos serviços de espionagem, que posteriormente eram traduzidos para inglês e depois para francês).
David Livingstone, António Silva Porto e László Magyar deram importantes contributos para o conhecimento dos europeus sobre África e especificamente sobre a região que hoje se chama de Angola. Enquanto o primeiro era missionário-explorador e o segundo um colonizador-explorador, apenas o explorador-aventureiro ficou esquecido na história de Portugal (e da Hungria). O Reino do Bié foi conquistado na campanha urgente de colonização portuguesa do interior de Angola e o Império Austro-Húngaro praticamente deixou de se interessar pelo estabelecimento de colónias ultramarinas e assim pelos assuntos africanos.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Aversões

Szolgálunk és Védünk é a divisa. Os agentes da Rendőrség tratam de “servir e proteger” com viaturas Škoda Octavia novas e modernas. Algumas unidades estão pintadas de verde escuro por terem sido distribuídas à Határőrség poucos meses antes de esta ter sido desmobilizada por altura da entrada da Roménia na União Europeia. Tendo portanto sido reduzido o controlo de fronteiras, uma grande parte dos carros e carrinhas novas da Határőrség foram entregues à Rendőrség, sobraram algumas unidades para o serviço nas fronteiras com a Sérvia, Croácia e Ucrânia.
A Rendőrség comporta-se de um modo geral como todas as polícias do mundo, acima da lei.

domingo, 15 de março de 2009

Paixões

O automóvel da imagem é romeno, com a matrícula registada na cidade de Bucareste.
Trata-se de um BMW E46 de modelo 325 Ci, produzido na alemanha entre os anos 2001 e 2007.
O motor de 6 cilindros em linha e 24 válvulas, tem 2494 centímetros cúbicos e 195 cavalos de potência.
Os estofos em pele são aquecidos e de regulação eléctrica com 3 memórias, enquanto a caixa de velocidades é de 6 em versão manual ou 5 em automático, com opção Sport ou de limitação manual.
No volante regula-se o rádio e leitor de Cd’s harman/kardon bem como o Cruise Control, enquanto na consola aparecem os modos de abrir e fechar a capota com o veículo imobilizado.
A jovem do vestido branco está indubitavelmente apaixonada e sabe demonstrá-lo com afecto e carinho.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Lavagens cerebrais

No outro dia o cabeçudo do Noddy perdeu o guizo do capucho, uma bestial contrariedade e drama axiomático portanto, característico na profissão de um motorista de praça. O mais totó dos bonecos animados transforma esse seu quixotesco problema numa demanda obstinada, coisa natural para um indivíduo presumivelmente adulto (deve ser encartado, porque anima constantes conversas relaxadas com o polícia lá do bairro) mas que se apresenta vestido de calções e com uns sapatos vermelhos foleiros, assim à palhaço. Sucede que a baixíssima habilidade de raciocínio do dito fogareiro leva-o a envolver todos os conhecidos e vizinhança nessa estopada, a do guizo extraviado, porque é um grandessíssimo palerma e precisa de ajuda para pensar o óbvio, conselhos que escuta mas interpreta do modo mais estulto e idiota.

O simplório do Noddy com o seu ridículo carro amarelo, atenta contra o intelecto dos incautos, desalenta os jovens que querem ir mais além do que a mediocridade ou simplesmente desviar-se da vereda dos acobardados, transfigura crianças inocentes em meros vegetais, tipo nabos.

Antigamente, já lá vão uns trinta anos, muito melhor do que essa baboseira de taxista mariconço, sucessor categórico dos imbecis Tele-tubbies, eram os bonecos animados a preto e branco da Checoslováquia, apresentados por quem sabia do assunto, no “Cinema de animação” aos Domingos, só de exemplo.

Não por acaso (i.e. seguramente) as cores do Noddy e do seu chaço são as mesmas de um palhaço pseudo-escocês que mais tarde irá aparecer na vida das crianças e "espetar-lhes" com umas sandes de carne picada feitas sabe-se lá de quê, mas bem dissimuladas em caixinhas e que oferecem brinquedos feitos na China absolutamente estúpidos. Os infantes tornam-se obedientes ao sistema e contrariamente ao seu comportamento habitual em casa, será possível vê-los a arrumar mesas e levantar tabuleiros em espaços públicos.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Murgeira 2/6

Na casa da avó havia uma jarra de vidro transparente mas não translúcida, assim com alguns motivos circulares de fosco, cor parda arrosada. A jarra era feia, como tantos outros objectos que nem sempre tinham um propósito de existir, pelo menos no entendimento daquela alma criança. Havia também uma bilha de barro na cozinha para a água que em outros tempos se bebia, da fonte e nunca do poço, uma bacia branca vidrada e suportada em armação metálica e ao centro uma mesa tosca com umas gavetas onde os talheres se guardavam.
A terra sim era argilosa, ou simplesmente pastosa de enterrar pés e pernas quando chovia, principalmente junto à vedação da escola, espaço que servia para brincar às voltas na roldana de um poço. Nas traseiras da casa a mesma terra dava batatas, couves, talvez feijão verde e tomate, fora as frutas de pomar, umas maçãs pouco belas e não raramente bichosas, pêras e ameixas, das negras e das amarelas. Mais excelente e majestosa do que as restantes árvores, uma figueira junto ao carreiro no contorno da casa e mais outra lá adiante, perto da fonte. Não deviam ser idênticas em espécie pois não davam figos na mesma época. Ao cacto junto à eira, também havia quem chamasse figueira, talvez porque tinha uns frutos a que chamavam figos, mas parecidos eles não eram.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Larghetto ou Andantino

László percorreu novamente a cidade de Budapest a pé até ao banco de jardim em bronze, uma cadeira de teatro sempre vaga virada para a frente do Teatro Nacional.
Ali abandonou as luvas, as tais luvas, enquanto explicava com entusiasmo o significado daquela fachada em mármore submersa, representando o antigo Nemzeti Színház.
Enquanto nevava a favor de um vento forte guiado pelo Danúbio, junto ao lago conheceu Orsolya, por mero acaso ou porque ela assim quis, mais de ingénua do que curiosa.

domingo, 1 de março de 2009

Murgeira 1/6

Por cima do frigorífico instalou finalmente a pequena televisão a preto-e-branco que havia trazido tão cuidadosamente do Porto. Sôfregamente mas à vez, procurou pelas sintonias perfeitas em Uhf, depois insistiu em Vhf e especou sentado, de face apoiada nas mãos en concha e cotovêlos no tampo da mesa. Havia qualquer coisa de errado no manípulo de aumentar o som, interferia com a imagem porque também servia para desligar o aparelho. Ligar e desligar incessantemente aquela caixa de plástico branca da marca Teleton - made in Japan é um vício que já vem dos tempos em que a mesma pertencia à avó. Havia um fascínio especial pelo clarão em forma de cruz e um pontinho branco que demorava a desaparecer no fim e ainda hoje existe.
Para além de uma extrema impertinência conseguida por aquele neto, inquiria a avó sobre a brilhante idéia de mudar para os desenhos animados à hora exacta da Eucaristia dominical, ainda havia um hábito curioso de desregular os ponteiros do despertador vermelho da marca Reguladora. A famosa “caneta de cinco bicos” era por vezes uma consequência sentida no corpo por tanta movimentação e corropio em redor da mesa da sala e do aparador decorado com molduras, ou simplesmente por insistir em saltar sem cautelas para o sofá de veludo vermelho escuro, atachado nos bordos em estrutura de madeira, no canto da sala.