sexta-feira, 24 de outubro de 2008

O Astrolábio de precisão, por Coutinho e Cabral

Por ocasião do 1º Centenário da Independência do Brasil, entendeu o Governo Português patrocinar uma travessia oceânica no Atlântico Sul, a primeira por meios aéreos. Já no ano anterior, em 1921, havia sido experimentada uma travessia bem sucedida entre Lisboa e Funchal.
Carlos Viegas Gago Coutinho e Artur de Sacadura Freire Cabral eram ambos oficiais da Armada e as suas carreiras observaram percursos comuns ao serviço da Marinha Portuguesa, principalmente nas comissões de serviço em África onde se dedicaram a missões de levantamento geográfico e delimitação cartográfica de fronteiras nas províncias ultramarinas.
Apesar de Coutinho ser o superior hierárquico, este não frequentou o curso de piloto aviador em França tal como fez Cabral, dedicou-se antes a trabalhos diversos de investigação geográfica e histórica bem como ao desenvolvimento e optimização de instrumentos de navegação, de onde se destacou um modelo inovador de Sextante de horizonte artificial (que o inventor baptizou de “astrolábio de precisão”) não sujeito a referências fixas (o invento tem a ver com a resolução técnica do problema de oscilações angulares por instabilidade horizontal do navio ou do avião durante a leitura da altura do astro) e um corrector de rumos.
A colaboração de Cabral na optimização do Sextante de precisão foi fundamental principalmente porque a sua influência tornou oportuna a utilização do modelo inventado para a navegação aérea, quando Coutinho essencialmente estudava a utilização marítima do instrumento, principalmente para as situações de horizonte de mar não visível de dia ou de noite.
Terá sido também Sacadura Cabral que incentivou o seu superior a trocar as missões geodésicas em África pelo assunto da aeronáutica.
O mesmo teve influência no processo de aquisição das aeronaves Fairey III-D de origem inglesa, onde a encomenda de duas unidades na versão corrente e uma unidade de fabricação específica não foi por acaso. Assim, o aparelho com o número de série F400 e a referência MkII Transatlantic, diferenciava dos F401 e F402 na maior envergadura das asas, comprimento e altura, assim área alar, também maior peso e raio de acção (instalados depósitos de combustível suplementares nos flutuadores), embora os motores Rolls-Royce Eagle VIII de 350 Cv. fossem idênticos (obviamente o MkII tornava-se mais lento e consumia mais combustível).
Na tarde de 30 de Março de 1922, o hidroavião Fairey FIII-D MkII, baptizado de Lusitânia, partiu de Lisboa rumo a Las Palmas nas ilhas Canárias e daí seguiu para S. Vicente em Cabo Verde. Os flutuadores deixavam entrar água e o consumo da aeronave era excessivo, pelo que alguns dias foram perdidos no arquipélago para reparações.
Em 13 horas e 21 minutos o Lusitânia efectuou a travessia de cerca de 1700 Km de distância entre o porto da Praia e o arquipélago de S. Pedro e S. Paulo. A amaragem nas águas brasileiras foi desastrosa por causa de condições meteorológicas adversas, a ondulação forte arrancou um dos flutuadores do Lusitânia no dia 18 de Abril.
O Governo Português decidiu enviar o Pátria (um dos outros Fairey III-D) para substituir o Lusitânia, numa empresa que já estava praticamente concluída (a travessia do Atlântico, de maior distância e risco, já tinha sido efectuada) por uma questão de prestígio e de opinião pública atingir-se-ia a capital do Brasil. Mas o motor deste Fairey III-D avariou alguns momentos após a descolagem e resultou em naufrágio, exactamente no mesmo local do anterior.
Como não há duas sem três e porque ainda existia um terceiro hidroavião disponível, foi mesmo este, o Santa Cruz, que terminou a viagem com diversas escalas no litoral do Brasil até à chegada ao Rio de Janeiro, a 17 de Junho de 1922.
Esta operação teve custos altíssimos, não somente pela perda de duas aeronaves bem como pelo dispositivo logístico montado a somar ao inesperado, principalmente o acompanhamento constante do cruzador República da Marinha Portuguesa as viagens dos navios Carvalho Araújo e Bagé (navio mercante) para as entregas dos aparelhos de substituição.
Sacadura Cabral desapareceu no ano de 1924, vítima de um acidente aéreo no Canal da Mancha ao comando de um Fokker, diferente de Gago Coutinho, que se reformou em 1939 e faleceu em 1959 com 90 anos de idade e o título de Almirante.
A representação em guache da autoria de Stuart (José Herculano Stuart Torres de Almeida Carvalhais) corresponde ao naufrágio do segundo Fairey (com o número de matrícula 16, ou seja o Pátria). A embarcação que resgatou os oficiais da Marinha Portuguesa foi o Paris City, proveniente de Cardiff e com destino ao Rio.
Embora os trabalhos artísticos de Stuart fossem essencialmente do tipo humorístico e caricatura, tornou-se um famoso ilustrador de capas de revista e posteriormente colaborador da Revista da Marinha.

2 comentários:

Costa Pinto disse...

Sempre bom lembrar

Mikkey disse...


Repousam assim há mais de 90 anos os Fairey IIID, Lusitânia e Pátria, a uma elevada profundidade em que a ausência de microorganismos marinhos promove a conservação das míticas aeronaves.

Não se tendo registado qualquer perda de vidas ou ferimentos no referidos acidentes, e pela relevância do distintos "Fairey III D, a sua localização e resgate constitui uma merecida homenagem pelo centenário da ultima grande aventura épica de Portugal, após os Descobrimentos Quinhentistas.

Relançar a memória da travessia aérea do Atlântico Sul, pela perseverança e valioso contributo para a navegação aérea, dados por Gago Coutinho e Sacadura Cabral é uma fonte de motivação para as gerações vindouras, indispensável para "novas conquistas" por parte de Portugal, nas mais diversas áreas do conhecimento.

Agradeço a vossa atenção para este assunto, e agradeço que "partilhem" a ideia junto de todos aqueles possam ajudar a tornar este projecto possível.