De tanto chorar eram as dores de cabeça que lhe emprestavam um olhar doentio de olheiras carregadas. Nada parecia ter sentido, aquela nova vida era como um pesadelo, uma punição. E porque vomitava constantemente as refeições de que se enojava, sorte afinal no lugar de diarreias, sentia-se enfermo.
Sentado num banco de jardim, onde os canteiros não tinham flores e o lago não tinha água, seguia atentamente as crianças que brincavam, do outro lado da ponte, com carrinhos feitos de latas de salsichas e caricas.
Mais à frente duas outras crianças recolhiam o gasóleo que escorria junto à bomba de abastecimento. Ajoelhadas junto às pôças, raspavam com latas de sardinhas as pequenas quantidades que depois transvasavam para garrafas de vidro.
O abastecimento de combustível, embora incerto (não justificava a sensação de escassez que os distribuidores gostavam de alimentar, existiam bastantes opções concorrentes e os preços por litro eram irrisórios) satisfazia as necessidades de modo compatível com a procura.
Logo no primeiro dia constatou que naquela cidade a maioria da população era infantil e somente após uma semana deu conta de não existirem cães ou gatos, arrependeu-se de ter perguntado porquê. Com o fim da guerra passou a haver milho, mandioca, batata rena, tomate, arroz, açucar, óleo...
... e leite-moça (leite condensado) para ser misturado com água fervida.
Imagens captadas em 2004 na cidade do Kuíto (antiga Silva Porto), província do Bié, Angola.
domingo, 4 de maio de 2008
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2 comentários:
quem está tão doente?... de quem é este indefinido recomeço após guerra?... ohh fiquei contente que as tantas crianças já bebem leite-moça... e que o fazem com água fervida...
Brisas atlanticas e rosas de maio...
Infelizmente... "com o fim da guerra passou a haver milho, mandioca... e leite-moça..." mas nem todos (a maioria) têm acesso a alguns desses bens. Raras são as crianças que para além do leite materno, voltam a provar leite na vida.
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