quarta-feira, 25 de abril de 2007

25 de Abril de 1974

Antes da partida para a Madeira, rumo ao exílio, a última decisão política de Marcelo Caetano, que havia substituído um outro grande português em 1968, foi no dia 25 de Abril de 1974 entregar o poder ao General António de Spínola, para que “não caísse na rua”. Essa brilhante condição, de quem nada mais tinha a perder do que a própria vida, somente revela um amor à pátria que nunca preocupou os seus sucessores, como se veio a revelar com uma descolonização baseada na entrega de poderes a bandidos, nacionalizações sem qualquer plano a longo ou médio prazo de interesse e benefício à economia, a delapidação do tesouro público e o desaparecimento de reservas.
No seu entender (do presidente do conselho de ministros, ex-ministro das colónias e da presidência, autor dos manuais de direito administrativo e professor de direito administrativo português), esta decisão era como uma rendição à teoria de secessão do “Portugal e o futuro” do General Spínola, de que somente uma solução política daria fim à crise separatista das províncias ultramarinas (a publicação desse livro terá sido razão para exoneração do militar no ano anterior).
Mas o General não pertencia ao revolucionário movimento das forças armadas e nem sequer estava de acordo com os princípios básicos que tornaram efectivo este movimento. É que a "revolução dos cravos" dá-se por razões que nem de todo estão relacionadas com a vontade do povo, não sendo por isso inteiramente verdade o preâmbulo do decretado na constituição da república de 1976:
1- Não existiu nenhuma “longa resistência do povo português
2- Não foram “interpretados os seus sentimentos profundos” (dos portugueses)
3- É discutível se foi “derrubado um regime fascista
4- A revolução não “restituiu” nenhuns “direitos e liberdades fundamentais” aos portugueses
5- A constituição elaborada não correspondeu a quaisquer “aspirações do país”.
É verdade que se deu uma “transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa” e é também verdade que foi eliminado um regime de ditadura política (que havia sucedido a um outro de ditadura militar iniciado nos anos 20). Mas que os portugueses haviam experimentado uma "longa resistência", não é verdade. Os portugueses na sua esmagadora maioria eram obedientes, ordeiros e respeitadores da ordem que lhes foi sendo imposta, logo, seus "sentimentos profundos" (da maioria) não eram revolucionários. As “aspirações do país” foram ditadas por quem seguidamente tomou o poder e inscreveu quais haviam de ser. Também não foi “restituído” aquilo que nunca existiu anteriormente, porque antes da ditadura militar do princípio do século XX, existiu uma república inconstante precedida por uma monarquia.
O movimento das forças armadas foi fundado por oficiais de patentes intermédias pelas seguintes razões principais que pouco têm a ver com aquilo que os oportunistas do momento (e que subiram gratuitamente ao poder) andaram e ainda andam a “vender” às gerações seguintes:
1- A guerra nas províncias ultramarinas não tinha uma solução militar previsível, as próprias altas patentes o afirmaram por escrito, pelo que o envolvimento de novos contingentes, a manutenção do conflito só traria perda de vidas e a desilusão da derrota militar para breve.
2 – Os regulamentos aprovados recentemente por Marcelo Caetano para a promoção militar ultrajou os oficiais de carreira, que lhes prejudicaria a ascensão de patente e respectivas remunerações.
3- Os ideais de esquerda (da mesma esquerda que reivindicava a independência das províncias ultramarinas) tinham sucesso entre militares e oficiais subalternos porque eram inversos ao apoio que os seus superiores hierárquicos davam às políticas do governo da república (compreensível, porque num sentido elevado do dever, as chefias militares obrigam-se a uma lealdade ao Estado que é independente de convicções pessoais e políticas).
Sendo verdade que esses ideais de esquerda eram generosos para “injectar” no “sangue” do povo (apesar de por toda a Europa se mostrarem realmente falsos, e revelados com as tentativas de revolução de 56 na Hungria e em 68 na Checoslováquia), os líderes militares do movimento das forças armadas encostaram as razões dos seus intentos aos oportunistas socialistas e comunistas, que logo apareceram como heróis ou voltaram do exílio numa postura apoteótica de legítimos herdeiros do poder sobre o Estado português.
O Povo, como sempre obediente, ordeiro e respeitador da ordem que lhe é imposta, seguiu animado, aplaudiu esses novos dirigentes com o mesmo entusiasmo que aplaudia os discursos de Salazar, que Portugal teria um futuro de prosperidade, riqueza, bem estar, educação e outras mentiras proferidas por quem tinha capacidade de movimentar as massas ignorantes de modo a apoiarem o seu sucesso político, promoverem e validarem em eleições democráticas o seu estatuto auto-nomeado de governantes e gestores do património português.
O povo, como sempre obediente, ordeiro e respeitador da ordem que lhe é imposta, aplaudiu o grande feito heróico do ingresso de Portugal na Comunidade Económica Europeia, que os mesmos oportunistas, sem saída para os graves erros que cometeram em nome de ideais falsos e falidos, após a destruição completa da sustentabilidade da economia, após não terem alcançado melhor situação social do que os anteriores, mantendo seus postos e todos os postos dos restantes oportunistas que tomaram conta do poder (que foram alternando mercê de não ser possível tanto abuso por tantos ao mesmo tempo), apareceram como salvadores da pátria porque encontraram uma fonte fácil para proveitos futuros.
Reparar o que se destrói não é mérito, mérito e potenciar aquilo que já se tem ou no mínimo preservar aquilo que se tem. No acesso à União Europeia não houve portanto mérito.
O acesso à União foi importante, sim, tão importante quanto consequente. Não entrar na União (isolamento) ou fazer parte dela em conjunto com os países do leste europeu teria sido demasiado ruim, não só pelo volume de financiamentos provavelmente inferior, bem como pelas regras mais rigorosas a respeitar, já para não falar do poder individual nas decisões que passou a ser mais condicionado e limitado no “pacote” de ingresso destes.
A alteração do regime político, se significando maior liberdade de expressão e escolha individual, também foi muito importante.
A revolução de 25 de Abril de 1974 foi importante? Por ter acontecido, foi.
Mas se não tivesse acontecido:
1- A liberdade de expressão e escolha individual viria a ser verdade, com mais lentidão é certo, que se percebia ser o rumo das decisões seguintes de Marcelo Caetano, um liberal assumido. Talvez, nunca saberemos
2- A guerra no ultramar provavelmente seria substituída por uma solução diplomática que consideraria a preservação do património privado, o respeito por cidadãos estrangeiros e evitaria as guerras civis subsequentes (que acabaram na destruição de praticamente todo o património privado e público). Talvez, nunca saberemos.
3- O disparate de nacionalizações e ocupações de empresas produtivas, não teria acontecido (se nacionalizações fossem úteis, não seria lógica a ultra necessidade de efectuar privatizações nos anos seguintes) e a entrada na Comunidade Europeia seria feita pela “porta grande” de quem não aparece para pedir esmola mas integração, cooperação e competitividade. Talvez, nunca saberemos.
4- O oportunismo e a devassa de bens e valores do Estado não teria acontecido, ou seja todos aqueles com ideologias divergentes das do Estado Novo (e que por isso foram perseguidos, presos ou deportados) que residindo no território nacional acabariam integrados numa sociedade plural e justa, os no exílio voltariam e exerceriam profissões correspondentes aos ensinamentos que obtiveram, provavelmente com sucesso. Talvez, nunca saberemos.
Apenas sabemos que a revolução do dia 25 de Abril de 1974 foi importante. Segundo o preâmbulo da constituição foi importante porque marcou o “início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa”. Foi simplesmente importante porque aconteceu, como talvez fosse importante se nunca tivesse acontecido. Talvez, nunca saberemos.

Sem comentários: