e “Não só quem nos odeia ou nos inveja nos limita e oprime; quem nos ama não menos nos limita.” é Ricardo Reis em Odes, expressando a sua angústia e sofrimento na eterna busca da felicidade, numa apatia a tudo o que é externo ao ser e sempre acreditado de que o homem sábio vive de acordo com as leis racionais da natureza e é apenas uma peça na grande ordem e propósito do universo.
Pertencendo à mesma Geração d’Orpheu, Mário de Sá Carneiro, ao estilo modernista e perdido num “labirinto de si próprio” que aliás ditou o seu fim trágico, escreveu Como eu não possuo (em Dispersão, a sua primeira obra de poesia):
Olho em volta de mim. Todos possuem -
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.
Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!
Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo p'ra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.
Não sou amigo de ninguém.
P'ra o ser forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse - ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...
Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...
Embora com menor interesse em termos literários, mas não deixando de ser um ensinamento sobre a constância de nos equivocarmos repetidamente na avaliação das coisas e das pessoas que nos rodeiam e consequentemente fazermos julgamentos que nos levam à solidão por fustração da posse, é oportuno citar um parágrafo da obra Citadelle publicada em 1948, de Antoine de Saint Exupery:
"Não confundas o amor com o delírio da posse, que acarreta os piores sofrimentos. Porque, contrariamente à opinião comum, o amor não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que faz sofrer. Por eu amar a Deus, meto-me a pé pela estrada fora, coxeando penosamente para o levar aos outros homens. E não reduzo o meu Deus à escravatura. E sou alimentado com o que ele dá a outros. Eu sei assim reconhecer aquele que ama verdadeiramente: é que ele não pode ser prejudicado. O amor verdadeiro começa lá onde não se espera mais nada em troca."
Imagens apresentadas: Noite estrelada de Vincent van Gogh (1889), exposto no Museu de Arte Moderna (New York) e La Venus del espejo de Diego Velázquez (1483) exposto no National Gallery (London).
sexta-feira, 21 de novembro de 2008
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3 comentários:
lembro-me!... quase chorei de alegria quando desistiu do bethoven...;) e claro que é isso!é mesmo assim que tem de ser...;)
sabe, james, o negócio de estender pano é muito sensível às variações no mercado da tecelagem e da tinturaria...;) não se ria! o metro de xita anda pela hora da morte... e o istoestadificildemais, sabe, sobrevive....;)
homem sábio é aquele que sabendo-se perdido no labirinto de si próprio, segue os seus afectos que o guiam e amparam no desenrolar do tal propósito que não conhece mas ao qual obedece... E na angústia e sofrimento que constituem a eterna busca da felicidade, são eles, os afectos, a expressão da mais natural das leis... da mais racional das ordens... ser humano é ser assim, não ser sózinho e não ter fim, viver no desconhecido e na dor mas ansiar ainda pelo amor...
ser livre é saber ser e estar, conhecer o amor para o dar, receber e partilhar... ser livre é saber amar...;)
Que memória viva a minha cara amiga tem!
E leitora (ouvidora) atenta!
A referência essa ao "pano estendido" não é um rancorzito que terá ficado desde a nossa última troca de mensagens?
Depois... "ser livre é saber ser e estar..." e basta ler o e-mail enviado ao "istoestadificildemais"!
Celebremos amores possíveis e libertos. Celebremos amores sem condição. Aceitemos a ordem das coisas.
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