Jesus nasceu na freguesia de Santa Maria de Belém, Lisboa. Filho de retornados, seus pais instalaram-se em meados da década de 70 na vila da Nazaré, distrito de Leiria, gémea de Badajoz. A infância de Jesus foi parca em estudos, porquanto deixou incompleta a quarta classe embora tenha sido distinguido por uma extraordinária dedicação aos estudos da catequese. Ainda sem idade para trabalhar ajudava às missas, tratava dos paramentos litúrgicos, lavava batinas, solidéus, barretes, murças e ainda repartia as hóstias em gamelas para a transubstanciação na Igreja da Misericórdia até ao dia em que o senhor José seu pai o informou de que “a vida de padreco não dava em nada, havia de se fazer à vida mas era”. A falta de uma outra opinião ou a incapacidade de contrariar a única ditada, levaram Jesus a aprender a arte do habilidoso progenitor com algumas variantes por falta do jeito, tornando-se assim tirocinante na carpintaria de cofragens ainda menor de condição.
Os Domingos de Verão eram também dias de baile nas freguesias e lugares por via das "bençãos do mar", festas da Nossa Senhora da Vitória, em honra a Santo Isidro, procissões diversas ou recriações de arte xávega, que Jesus aproveitava para intentar aos namoricos até ao dia em que se apaixonou enfunadamente pela jovem Maria, homónima da sua futura sogra mas de apelido Madalena. Seguindo um fraterno conselho para dar o passo, foi frente ao antigo Paço do Concelho na Pederneira onde Jesus declarou a firmeza de seus sentimentos, que de fortes se acreditaram sérios, para espanto emotivo da adolescente que ao silogismo atendeu sem cerimónias. Ausentes outras homófonas e heterográficas casualidades, nesse mesmo dia fizeram o amor para em breve se unirem de facto. De obra em obra, Jesus foi alimentando uma indignação pelas precárias condições de trabalho e também pela ausência ou negação de tantos direitos consagrados em leis e Constituição para si próprio e para os colegas que o tornaram apaixonado por greves ou paragens de turno e posteriormente mestre em sindicâncias laborais, distribuía panfletos e manifestos marxistas-leninistas enquanto incitava os camaradas à insubordinação. Como consequência, diferentes patronatos deram fé das bastantes desordens e rebeldias até que a denúncia deu lugar à vigilância institucional e a vida do carpinteiro tornou-se ainda mais áspera, enquanto escutas, rusgas domiciliárias e ameaças anónimas se tornaram uma constante.
Jesus tinha os seus vícios de lerpa, participava em grandes jantaradas e revelava algumas manias de Kilas, mas não eram suficientemente sérias a ponto de o carregarem com suspeitas de ilícito. Isso aconteceu sim, quando o acusaram de membro associado em organização criminosa, forjando até provas de estreitas ligações ao terrorismo internacional, com enganos de instrução e lapsos processuais diversos que num ápice o arrastaram para o encarceramento incondicional. Não ficou provado contudo que a carpintaria herdada do falecido pai era uma fachada para outros negócios distintos ou experimentações químicas, não ficou provado que o grupo de amigos das noitadas formavam consigo um gang, apesar de arrolados como testemunhas ou suspeitos de actividades criminosas em co-autoria. Pouco ficou provado afinal, mas certo é que aos trinta e poucos anos de idade Jesus foi preso e certo dia apareceu morto por asfixia, um provável enforcamento que Mickey (alcunha de Pedro, seu companheiro de cela) se excusou a confirmar, ou seja negou (três vezes) ter visto o ocorrido.
quarta-feira, 1 de abril de 2009
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