quarta-feira, 1 de abril de 2009

Portugal profundo

No Portugal profundo poucos sabem ler e escrever ou simplesmente dizer algo que sirva de ensinamento. Imbuídos de um sentimento de esperteza superior, é o álcool que lhes dá a força de braços mas destrói a clareza de espírito, que assumem orgulhosamente ser natural a ponto de por vezes nem sequer saberem pronunciar correctamente o seu próprio nome quando sóbrios.
É verdade que as gentes do Portugal profundo são generosas e humildes, sabem partilhar como diz ser a vontade de Deus e como aprenderam desde sempre ser uma virtude da nacionalidade que representam.
A organização familiar no Portugal profundo visa a subsistência, nome adequado a um forma de sobrevivência quase medieval, onde técnicas, ferramentas e hábitos são os mesmos de há séculos. Paradoxalmente, é esse mesmo atraso que permite a manutenção de algumas tradições que se prezam, principalmente as gastronómicas, ou seja o valor do especial sabor.
A maior parte da modernidade que por vezes atinge o Portugal profundo é desadequada, estúpida ou bizarra, surge por razões que nada têm que ver com a satisfação das necessidades das gentes, aparece por motivos que estes nunca compreendem.
As embarcações atracadas na marina da Ribeira de Pêra em Castanheira de Pêra são um exemplo ambíguo ou contraditório de excelência intelectual no modo de projectar as idéias em investimentos que visam o desenvolvimento do Portugal profundo.
São veleiros dentro de um tanque, não existe navegabilidade.
O Portugal profundo é todo o Portugal que existe fora da Grande alface e de algumas capitais de distrito.
“Leitor amigo, se queres sinceramente contribuir nos teus meios para fortificar a tua patria, dá-lhe modestamente, na pequena orbita da tua influencia, entre os teus parentes e os teus amigos, aquillo que ella mais precisa de ter para sua defesa dentro da casa de cada cidadão; não se trata da força do teu braço, trata-se da rectidão do teu juizo: sê prudente e justo.” Ramalho Ortigão e Eça de Queiroz, As Farpas - Chronica mensal da política, das letras e dos costumes, 1877.

2 comentários:

Mª João C.Martins disse...

Meu querido James…

Quanto ensinamento vem das palavras e frases simples e por vezes tão desprovidas de correcto rigor gramatical, proferidas por aqueles que compõem o nosso Portugal profundo.

A partilha e a generosidade, característica tão presente das gentes do Portugal profundo, não é apenas uma virtude da nossa nacionalidade, mas sim uma das virtudes humanas e humanizantes, infelizmente tão esquecida e desvalorizada pelo Portugal “ moderno e superficial”.

Quem sabe, não iremos todos ainda precisar, mais brevemente do que imaginamos, de todas as técnicas, ferramentas e hábitos “medievais” que sustentam desde há séculos, ainda da mesma forma regular e básica a subsistência daqueles que tanto me têm ensinado no Portugal profundo, onde tenho vivido grande parte da minha vida.

Um beijinho

Anónimo disse...

Acontece que os veleiros foram lá colocados para servirem de aluguer a
familias que lá queiram pernoitar.
Pelo menos é pitoresco e diferente.