terça-feira, 3 de julho de 2007

Silva Porto (5)

A construção de um cemitério no Kuíto é uma espécie de negócio infindável para uma determinada empresa chinesa a operar no Bié sob a tutela da Delegação Provincial de Obras Públicas e em estreita colaboração com a Comissão Provincial de Exumações.
Situado nuns montes lá para os lados da estrada que segue para o Kunge, o cemitério onde os operários chineses laboram sem descanso (sim porque ali os chineses não conhecem fins-de-semana) observa diversas fases de construção e ampliação à medida que os corpos são recolhidos às dezenas por meio de escavações em quintais, páteos, passeios e jardins públicos da cidade do Kuíto todas as semanas.
Não raro é que a carrinha toyota de caixa aberta passe com a caixa tosca de madeira a que chamam caixão e um "kit" de químicos desinfectantes junto às ferramentas apropriadas (luvas, máscaras, enxadas, pás...) para recolherem os corpos de militares ou civis que raramente são capazes de identificar, mas que foram enterrados por familiares ou colegas de luta debaixo de fogo cruzado. Quando isso não era possível, as vítimas tombadas tornavam-se o alimento de canídeos esfomeados que deambulavam num espalhar óbvio de doenças e que levou ao posterior abate na sua totalidade, razão pela qual não existe actualmente esse tipo de animal nesta cidade (e também porque os mesmos cães serviram de alimento às populações, junto com gatos e roedores, quando nada mais existia).
O odor de um corpo exumado é algo que perdura nas narinas durante vários dias, entranha-se na roupa e na pele de modo inigualável, mas inevitável quando muitas vezes os corpos são encontrados acidentalmente junto ao muro, no canteiro da frente ou no pomar das traseiras, se nos passa a idéia de revolver alguma terra por motivo de obras ou reparações simples na casa onde habitamos.
Também, as empresas que tratam da reconstrução dos edifícios públicos se deparam com este problema, embora de segunda importância quando nunca é seguro se a área foi realmente e devidamente desminada e quando no meio de entulhos e lixo sempre se encontram granadas, munições e outros engenhos explosivos perigosos para quem disso pouco entende.
Imagens captadas em 2004 no Cuíto (ou Kuito), antiga Silva Porto, província do Bié.

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