- Queres parar de me bater?
- Não me tivesses andado a atirar calhaus.
- Não eram calhaus, eram pedrinhas.
- Eram calhaus.
- Pedrinhas.
- Calhaus, podiam aleijar.
- Pedrinhas que quase não se sentem.
- Incomodam.
- Não matam.
- Mas moem.
- Devolve-me o que é meu e eu paro de atirar.
- Não tenho nada teu, isto é meu.
- É meu.
- É meu, meu, meu.
- É meu vezes infinitos.
- Se é teu anda cá buscar.
- Não posso, tu bates-me.
- Só porque tu provocas.
- Só provoco porque quero o que é meu.
- Já tens o que é teu.
- Não tenho não.
- Tens sim, já devolvi.
- Só uma parte.
- É a tua parte.
- Falta uma parte.
- Não, não falta.
- Falta, falta.
- Não falta, não falta e não falta.
- Então para que é que fizeste um muro à volta?
- Porque tu queres tirar-me o que é meu.
- Porque é meu.
- Mas tu já tens o que é teu, deixa-me em paz.
- Não enquanto tu não te fores embora ou pelo menos me devolveres o que é meu.
- E eu não vou e não saímos da cepa torta.
- E eu continuo a atirar pedrinhas.
- São calhaus e às vezes acertam noutras pessoas.
- Isso vindo de quem me dá cargas de porrada que deixam marcas até em quem está a ver.
- Só porque tu não respeitas as tréguas e me atiras calhaus.
- Só porque tu me oprimes. E não são calhaus são pedrinhas.
- São calhaus, aleijam.
- Tu aleijas mais.
- Só porque tu atiras os calhaus.
- Pedrinhas...
...continua (infelizmente).
“Calhaus” foi cedido gentilmente por Pnet Homem e pelo próprio autor, João Moreira de Sá. A imagem apresentada não pertence ao editor do Szerinting, tampouco ao autor do artigo.
1 comentário:
Um diálogo de surdos, uma disputa sem fim à vista, entre dois seres obstinados, irredutíveis; num primeiro momento, poderia até ser entre duas crianças, já violentas, agredindo-se para defender o que considera seu.
Abruptamente, o estremecimento: um «keffiah» vem situar a dor e o drama e transfigura cada palavra.
Bee
Enviar um comentário